sábado, 20 de março de 2010

5 - Como lidar com as falhas das empresas e dos mercados de capitais?

Março de 2008


Em 1937, o professor Ronald Coase escreveu um artigo essencial para quem pretende tentar responder à pergunta: para que existem as firmas? No texto clássico The nature of the firm, o ilustre pensador (Prêmio Nobel de Economia em 1991) apresenta uma explicação para a necessidade das empresas (ou melhor, das firmas, palavra muito usada no âmbito da ciência econômica): firmas precisam existir porque é necessário firmar contratos de longo prazo entre empreendimentos e pessoas necessárias às diversas atividades a eles associados, especialmente quando não se consegue prever com exatidão quais serviços serão necessários no futuro. Tais idéias não constituem a única teoria consistente sobre as firmas; ainda assim, fazem considerável sentido, pois acreditamos que seria insuportavelmente dispendioso para uma economia capitalista a contratação e a descontratação de pessoas inúmeras vezes ao longo de uma semana de trabalho e das vidas úteis de múltiplos empreendimentos. Assim, contratos de trabalho de longo prazo, firmados entre uma entidade denominada firma (empresa) e pessoas prestadoras de serviços existiriam para reduzir dramaticamente custos de contratação, denominados pelo professor Coase de custos de transação.


As idéias de Coase têm inspirado muitos pensadores. O professor Oliver E. Williamson, por exemplo, identifica a existência de uma economia dos custos de transação, caracterizada não apenas por custos pré-contratuais, objeto das reflexões de Coase, mas também por dispêndios ex post, que emergem após a assinatura dos contratos. Segundo Williamson, contratos podem ser firmados com salvaguardas, mas nem sempre são cumpridos. Em primeiro lugar, produtos e serviços transacionados podem ser muito específicos (poucos são capazes de prover) ou genéricos (muitos são capazes de prover); nesse caso, o contrato pode não estar exatamente alinhado à natureza daquilo que se pretende transacionar. Em segundo lugar, o professor argumenta: pessoas têm racionalidade limitada e não conseguem prever tudo, além de serem, basicamente, oportunistas, tendendo ao aproveitamento de brechas contratuais, se tiverem benefício e oportunidade. Com a economia dos custos de transação, Williamson objetiva refletir sobre quando faz sentido às empresas verticalizar (assumir) ou desverticalizar (contratar externamente) atividades, buscando o mercado externo.


Ronald Coase e Oliver E. Williamsom discutem, portanto, o papel das firmas - estruturas criadas para internalizar contratos de longo prazo com pessoas – e dos mercados - constructos menos rígidos e capazes de prover serviços às firmas e às pessoas. Note-se que ambos os pensadores têm em comum a teoria dos custos de transação e a idéia básica de que tanto as firmas quanto os mercados existem para reduzir custos de transação, cada um a seu modo. Mas as discussões prosseguem com outros estudiosos, como os professores J. Rogers Hollingsworth e Robert Boyer; no livro Contemporary capitalism – the embeddedness of institutions (1997), ambos argumentam: não existem apenas as firmas, os mercados e a miríade de estruturas intermediárias entre eles (expressão utilizada por Williamson). Uma economia capitalista conta com diversas estruturas de coordenação de atividades econômicas: as empresas (firmas), os mercados, as redes, as associações, as comunidades e o Estado; tais estruturas ou mecanismos têm papéis a desempenhar no capitalismo.


Assim, no tabuleiro do jogo capitalista, todas essas (e possivelmente outras) estruturas têm papéis ou funções a desempenhar visando aumentar a confiança das pessoas, reduzir custos de transação e tornar a economia mais eficiente. Empresas devem produzir bens e serviços, fazendo jus a uma remuneração; mercados permitem trocas entre agentes que transacionam produtos e serviços (exemplo: o mercado de capitais); redes podem ser integradas por agentes, quando essa integração é vantajosa para a economia (exemplo: uma montadora de veículos e seus fornecedores de auto-peças); associações representam interesses de grupos específicos (exemplo: sindicatos patronais e de trabalhadores); comunidades aproximam, de forma menos estruturada, pessoas com interesses comuns (exemplo: comunidades virtuais na internet). Quanto ao Estado, cria regras do jogo e, ao menos conceitualmente, assegura seu cumprimento (enforcement).


Um dos desdobramentos mais importantes da teoria dos custos de transação lançada por Ronald Coase em 1937 é a contribuição do professor Douglass C. North (Prêmio Nobel em 1993) para a ciência econômica, cujos estudos buscam entender por que alguns países se desenvolvem e avançam, enquanto outros ficam estagnados ou para trás. E a resposta de North, que pode ser vista no livro Institutions, institutional change and economic performance – political economy of institutions and decisions (1990), é a seguinte: a diferença reside nas regras do jogo, formais (leis, regulamentos complementares e contratos) e informais (ditames da cultura), bem como no cumprimento das regras (enforcement). Em um contexto de assimetria informacional entre quem compra e vende produtos e serviços e de custos de transação, de jogadores - estruturas de coordenação de atividades econômicas – imperfeitos e de seres humanos cujas decisões são baseadas em critérios intangíveis, as regras do jogo e seu cumprimento se tornam cruciais. North ressalta que as pessoas têm motivações profundas e decidem baseadas em modelos mentais muito pessoais e subjetivos, o que explicaria, por exemplo, o sacrifício da vida em prol de uma causa. Cabe lembrar que nem todas as regras são oriundas do Estado, mas também das próprias estruturas citadas e da cultura (pessoas).


Sobre as estruturas em questão: sim, elas são imperfeitas, conforme afirmam Hollingsworth e Boyer. Empresas podem ser lentas para reagir a mudanças, excessivamente burocratizadas, ineficientes e injustas com seus públicos stakeholders. Redes podem admitir desequilíbrio de poder entre integrantes. Associações podem ser excessiva ou fracamente focadas nos interesses dos seus representados. Comunidades podem ser frágeis e incapazes de gerar produtos e serviços. O Estado pode favorecer interesses específicos, em detrimento da coletividade, além de operar de forma ineficaz. Sobre os mercados: necessitam ser regulados, para equilibrar comportamentos e mitigar o risco da obtenção de lucros não razoáveis; a despeito de sua relevância como uma espécie de mão invisível regulando preços na economia, conforme a visão de Adam Smith, os mercados falham. O filme The smartest guys in the room, realizado com base em livro de mesmo nome de Bethany McLean e Peter Elkind sobre a ascensão e a queda da empresa Enron nos Estados Unidos, do setor de energia, pode ser recomendado a quem deseja ver como mercados de capitais podem falhar gravemente, como ações de marketing empresarial podem ofuscar a racionalidade.


Com base nessas considerações, e respondendo à pergunta como lidar com as falhas das empresas e dos mercados de capitais?, acreditamos que a resposta seja: aprimorando as regras do jogo e seu cumprimento, visando não apenas melhorar o jogo, como também ampliar a qualidade e a maturidade dos jogadores. No Brasil, as melhorias da Lei das Sociedades Anônimas (6.404, 15/12/76), o advento do Novo Mercado e dos níveis 1 e 2 de governança corporativa da BOVESPA, o esforço de conscientização de dirigentes organizacionais e a conseqüente mudança de postura percebida em várias empresas nos anos recentes parecem confirmar essa resposta.



MMB - Publicado na Revista RI

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