sábado, 20 de março de 2010

12 - Existem paradigmas de governo das empresas?

Outubro de 2008



Antes de discorrer sobre a pergunta do título deste artigo, cumpre responder à seguinte: o que é mesmo um paradigma?


Em 1962, Thomas Samuel Kuhn, doutor em física pela Harvard University, publicou o livro A estrutura das revoluções científicas, o qual tem tido grande repercussão junto à comunidade acadêmica ao longo do tempo. Na obra em questão, Kuhn apresenta o seu conceito de paradigma: trata-se de uma teoria forte, aceita por uma comunidade de praticantes de uma ciência, a qual sustentará o desenvolvimento de teorias, modelos e leis que gravitarão ao redor dos seus fundamentos, até que eventuais anomalias descobertas conduzam à formulação e consenso em torno de uma nova teoria forte. Nesse sentido, seriam exemplos de estudos lançadores de paradigmas trabalhos como Física, de Aristóteles, Almagesto, de Ptolomeu, Principia e Óptica, de Newton, Eletricidade, de Franklin, Química, de Lavoisier e Geologia, de Lyell, os quais, na visão de Kuhn, se prestaram, durante certo tempo, à definição de problemas e métodos de pesquisas para gerações posteriores de praticantes da ciência.


A leitura da obra de Kuhn permite identificar no mínimo sete características de um paradigma, conforme sua definição desse termo: 1. universalidade (o paradigma repousa sobre realizações científicas universalmente aceitas); 2. temporalidade (não é eterno); 3. ineditismo (é inédito); 4. abertura (é aberto o suficiente para permitir pesquisas nele baseadas); 5. compartilhamento (passa a existir quando compartilhado por pessoas com regras comuns de prática científica); 6. validade (intrinsecamente, é tão bom que as escolas antigas gradualmente deixam de existir); 7. ancorabilidade (ancora ou serve como referência para o desenvolvimento de teorias e modelos sem a necessidade de explicações sobre conceitos básicos).


Segundo Kuhn, o desenvolvimento científico se desenvolve por etapas: 1. emergência de um paradigma e sua aceitação por uma comunidade de cientistas; 2. desenvolvimento de estudos e pesquisas baseados no paradigma citado, os quais partem da premissa de que o paradigma é válido e buscam clarificar melhor suas múltiplas faces; 3. identificação de pontos falhos no paradigma e sua contestação; 4. emergência de um novo paradigma, o que configuraria uma revolução científica. A partir daí, o ciclo se repete.


O livro de Kuhn tem gerado considerável polêmica e não apenas em função do conceito de paradigma, mas também por que o seu conteúdo permite evidenciar – e isso é muito interessante - os aspectos políticos que perpassam as discussões científicas, as quais poderiam ser influenciadas por visões e percepções humanas acerca de um dado paradigma; sendo assim, o desenvolvimento da ciência não teria um caráter puramente técnico. A polêmica tem sido tão intensa que o próprio Kuhn, falecido em 1996, produziu novos trabalhos revendo e tentando melhor clarificar suas idéias. É importante ressaltar que ele era físico por formação e que o seu livro foi desenvolvido com base nas disciplinas que estudam os fenômenos físicos; mesmo assim, A estrutura das revoluções científicas tem estimulado debates entre acadêmicos egressos das ciências sociais e humanas. Por exemplo: existem paradigmas na administração de empresas e de outras organizações?


Esta foi a pergunta que o professor de metodologia científica apresentou à nossa turma dessa disciplina, subdividida em grupos para discutir a resposta. O pequeno grupo do qual fazíamos parte concluiu que se paradigma for definido exatamente nas bases da obra de Thomas Kuhn, não existem paradigmas em administração, existindo, sim, teorias com algumas das sete características listadas no início deste artigo, mas não com todas. Paradigmas não poderiam ser definidos contemplando apenas parte das características identificadas por Kuhn?


Na língua portuguesa e nas demais, é frequente encontrarmos palavras com mais de um significado. Se consultarmos alguns dicionários, encontraremos várias alternativas para a palavra paradigma: modelo, padrão, norma e assim por diante. Assim sendo, para fins de buscar responder à pergunta do título deste artigo, adotaremos um conceito menos ambicioso para a palavra paradigma, ainda que mantendo um viés Thomas Kuhn: consideraremos paradigma como sendo um modelo a ser perseguido, em função de características admiradas por um grupo de pessoas, que pode, inclusive, corresponder a uma comunidade profissional. Posto isso, perguntamos: existem paradigmas de governo das empresas? Dito de outra forma: existem modelos de governança a serem perseguidos pelas empresas? Como os investidores do mercado de capitais percebem essas questões?


As discussões sobre governança corporativa concentram-se, com freqüência, entre dois modelos conceituais: o modelo financeiro, segundo o qual as empresas existem para atender, em primeiro lugar, aos seus proprietários (acionistas, no caso de sociedades por ações), e o modelo dos públicos estratégicos ou stakeholders, o qual preconiza que as empresas existem para gerar riqueza para um grupo de públicos que delas dependem, como proprietários, empregados, clientes, fornecedores e outros. Muitas e muitas páginas têm sido escritas para discutir a validade, virtudes e defeitos dos modelos citados, existindo, também, autores que defendem um caminho do meio, ou seja, a compatibilização entre as duas perspectivas citadas. Exemplo desse esforço de compatibilização é o de Michael Jensen que, no artigo Value maximization, stakeholder theory, and the corporate objective function, de 2001, propõe um modelo dos stakeholders focado na criação de valor econômico (placar-meta) que, ao mesmo tempo, abre aos administradores a perspectiva de definir como tratar os públicos relevantes (como ganhar o jogo).


As discussões citadas definem um modelo de governança que possa ser considerado paradigma? A primeira resposta que nos ocorre para a pergunta em questão é: depende da cultura que permeia o mercado que se considera; em sociedades que enfatizam o individualismo e a vitória pessoal, o modelo financeiro poderia ser a opção preferencial; em sociedades mais preocupadas com a coletividade, o modelo dos stakeholders poderia ser preferência. Os EUA, a Alemanha e o Japão têm sido associados aos modelos financeiro, no primeiro caso, e dos stakeholders nos demais.


Entretanto, a resposta acima pode não ser satisfatória. Isso por que quando aprofundamos a realidade de uma dada organização, percebemos que ela tem especificidades operacionais que tornam, no mínimo, temerário adotar essa ou aquela corrente ideológica. Por mais focados em resultados econômicos que estejam - e necessitam estar - os dirigentes de uma sociedade por ações, dificilmente eles poderão ignorar, ao menos por longo tempo, as demandas sociais e ambientais que se intensificam sobre suas empresas. Adicionalmente, não nos parece que os investidores do mercado de capitais não estejam prestando atenção nessas demandas (pelo contrário!). Assim sendo, talvez a melhor resposta para a pergunta do título deste artigo seja: não existem modelos paradigmáticos de governança corporativa, existindo, porém, as melhores políticas e práticas de governança que os especialistas no tema conseguem vislumbrar em um dado momento, bem como as escolhas do mundo real, aquelas que os dirigentes organizacionais definem como sendo as possíveis.



MMB - Publicado na Revista RI

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