sábado, 20 de março de 2010

8 - Governança corporativa: por que ela é importante para o cidadão comum?

Junho de 2008

Em nossas vivências empresariais e acadêmicas, não tem sido exatamente simples explicar, quando nos perguntam ou quando temos que desenvolver, por força de ofício, o conceito de governança corporativa. Afinal, existem várias definições para essa expressão tanto nos centros de ensino e pesquisa quanto nos mercados financeiros e de capitais. Ainda não se conseguiu produzir uma definição que magnetize a mente das pessoas ao ponto de eclipsar as demais, e isso também é típico de conceitos como firma (existem várias teorias que explicam o que ela é) e estratégia (idem), constructos que exigem o estudo de várias correntes de pensamento para que a pessoa possa ter uma idéia do que foi criado e consensado ou não a respeito do assunto. Governança corporativa também é um constructo.

Outra questão que não tem sido simples responder diz respeito à aplicabilidade do conceito de governança corporativa às empresas de todos os tamanhos. Há alguns meses, uma aluna de pós-graduação nos inquiriu: governança corporativa aplica-se apenas às grandes empresas, especialmente àquelas com capital aberto ou com ações listadas em bolsa de valores? Ou todas as empresas têm governança? Essa pergunta faz grande sentido, especialmente quando se verifica que boa - para não dizer a maior - parte da literatura sobre governança se refere a grandes empresas, as quais têm estruturas como conselhos de administração, conselhos fiscais, comitês do conselho de administração e outras, empregando recursos financeiros consideráveis na manutenção dessas estruturas e de seus processos associados. O discurso em prol das boas práticas de governança freqüentemente passa ao largo, em boa medida, das médias e pequenas empresas das economias capitalistas, bem como das organizações do terceiro setor.

Mas talvez a pergunta que mais desafia a criação de uma boa resposta seja: o que governança corporativa tem a ver comigo, pessoa física e cidadão comum, com a minha realidade de vida? De fato, por que interessaria a uma pessoa que não é empreendedora, que não participa do governo de uma empresa, que não atua como profissional de relações com investidores e que não atua com sustentabilidade empresarial aprender mais sobre governança corporativa? O que ela ganharia, objetivamente, com esse tipo de aprendizado?

Desenvolveremos aqui, por partes, alguns raciocínios. Primeiramente, acreditamos que governança corporativa possa ser conceituada, de forma singela e sem maiores pretensões, como a condução das atividades organizacionais ou, dito de outra forma, como a administração vista sob a perspectiva da cúpula da organização, das pessoas que conduzem o destino organizacional. Assim, políticas e práticas de governança seriam servidoras da governança e não a governança per se. Em nossas atividades acadêmicas, essa definição é apresentada como uma entre muitas outras possíveis, por dever de ofício, pelo fato de que não podemos privilegiar um ponto de vista sem deixar de mostrar a riqueza do constructo governança. Adicionalmente, entendemos que a expressão governança organizacional parece ser mais abrangente do que a expressão governança corporativa, pois essa segunda remete à idéia de grandes corporações; mesmo assim, ela está integrada ao nosso cotidiano.

Em segundo lugar, acreditamos que o conceito de governança organizacional aplica-se, sim, a todas as organizações de uma economia capitalista e, não apenas, às empresas de grande porte, de capital aberto ou fechado. Por que pensar em governança apenas para grandes empresas? Não seriam as demais organizações da economia também merecedoras de funções de governança, tais como a definição de padrões éticos, políticas e práticas de condução administrativa, a definição e administração da estratégia, o relacionamento com públicos (stakeholders) estratégicos e o equacionamento de riscos, apenas para citar? Empresas não “implantam a governança corporativa”, mas implementam funções de governança mais eficazes que as tornam melhor governadas e propensas a conquistar melhores resultados.

Retornando à aluna citada inicialmente, a qual nos inquiriu sobre a aplicação do termo governança corporativa às médias e pequenas organizações, ela nos apresentou uma segunda pergunta: uma microempresa com apenas um proprietário e uma renda restrita também tem governança? Nossa resposta foi: depende. Se conceituarmos governança como a condução dos negócios organizacionais, podemos dizer que sim, que essa empresa tem governança, ainda que as questões de governança e de gestão do dia-a-dia estejam bastante entrelaçadas na mente do empreendedor-proprietário, o qual tem ou terá grande dificuldade em separar governo da firma de gestão da firma. A qual conceito de governança estamos nos referindo, se existem vários e válidos? Chamamos aqui a atenção para a oportunidade de estudos e pesquisas acadêmicas focando a governança das pequenas empresas.

Nossa aluna insistiu: mas as discussões tradicionais sobre governança corporativa não levam a concluir que a grande maioria das empresas está a anos-luz do Novo Mercado e dos Níveis 1 e 2 de governança da Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA? Ou seja, que a governança corporativa que os mercados financeiros e de capitais focalizam é algo apenas para grandes jogadores (players)? Respondemos: em termos. Não devemos nos esquecer de que grandes empresas um dia foram pequenas empresas e que o tamanho de uma empresa será do tamanho do sonho de quem empreende. Listar ações em bolsa de valores pode parecer um sonho impossível e/ou indesejável para alguns empreendedores, mas para outros não. Além disso, acreditamos que os mercados financeiros – e não apenas os mercados de capitais – valorizam, cada vez mais, as políticas e práticas de boa governança; as empresas que optarem por mercados de crédito ao invés de buscarem os mercados de capitais para o financiamento dos seus planos poderão ser beneficiadas por adotarem bons padrões de governança.

Chegando ao terceiro ponto deste artigo, poderíamos tecer um amplo conjunto de argumentos junto às pessoas físicas - e aos nossos alunos - visando sensibilizá-los quanto à importância do tema governança para suas vidas. Poderíamos, por exemplo, dizer que a governança das empresas em que trabalhamos determina a forma como elas lidam, de forma mais abrangente, com questões éticas, econômicas, sociais e ambientais, explica a política de gestão de pessoas e do capital humano e define, em última instância, o nível dos nossos rendimentos. Tudo isso poderia ser dito e muito mais, mas acreditamos que os cidadãos comuns realmente se interessarão pelo tema governança quando perceberem que isso pode fazer diferença na gestão de seus recursos pessoais e no tamanho do seu patrimônio. Acreditamos que é pela via da educação financeira que as boas políticas e práticas de governança corporativa serão melhor assimiladas e acompanhadas. Nesse sentido, é grande a responsabilidade dos treinamentos em educação financeira, os quais não podem deixar de esclarecer as pessoas sobre como os mercados de capitais e, mais especificamente, os mercados de ações podem ser relevantes como opção de investimento de longo prazo, e sobre como investir nas empresas com boa governança e consistente administração estratégica pode fazer diferença, especialmente após alguns anos de retorno do capital investido.

MMB - Publicado na Revista RI

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