sábado, 20 de março de 2010

9 - Qual composição do conselho pode interessar aos acionistas com foco de longo prazo?

Julho de 2008

Luigi Zingales, no artigo Corporate governance (1997), afirma que, antes de discutir sobre como a firma deve ser governada, é preciso definir o que é a firma, palavra freqüentemente usada por economistas para se referir à entidade empresarial ou empresa. O conceito de firma começa a emergir no âmbito da chamada economia neoclássica, pois os economistas clássicos não se ocuparam especificamente do mesmo. E quais são os principais conceitos de firma, segundo a economia? No artigo Governança corporativa: algumas reflexões teóricas sob a perspectiva da economia, a professora Patrícia Bernardes, vice-reitora da PUC Minas, identifica três conceitos principais e não exaustivos: 1. visão administrativa; 2. visão dos recursos e do conhecimento; 3. visão da teoria da agência, economia de custos de transação e mecanismos de governança, aqui designada, resumidamente, visão dos custos de transação.

A visão administrativa da firma, que se confunde com a própria ciência administrativa, resulta dos trabalhos de autores como Frederick W. Taylor, Henri Fayol, Max Weber, Herbert Simon, Chester Barnard e muitos outros pensadores que têm criado e contribuído para sedimentar as múltiplas teorias organizacionais. A visão dos recursos e do conhecimento referencia-se em autores como Frederich von Hayek, Joseph A. Schumpeter, Edith Penrose, R. R. Nelson e S. G. Winter entre outros e é consistente com a percepção da firma como uma coleção de recursos tangíveis e intangíveis, potencialmente mobilizáveis em prol do seu desenvolvimento. Quanto à visão dos custos de transação, baseia-se no pensamento de Ronalde Coase, Oliver E. Williamson, Douglass North, J. Rogers Hollingsworth e Robert Boyer, destaques entre muitos autores; segunda essa perspectiva, a firma exige para reduzir custos contratuais, ou seja, de transação, tornando-se um fulcro de relações contratuais de prazo indefinido, no caso de empregados, e de curto e longo prazo com outras contrapartes. Nessa terceira perspectiva, a firma e as demais organizações e estruturas de coordenação de atividades econômicas coexistem em um ambiente perpassado por regras do jogo formais e informais. Qual dessas três visões é a correta? Acreditamos que todas, cada uma a seu modo, pois o conceito de firma, como outros, constitui um constructo, categoria cuja compreensão exige o estudo de várias teorias, para que se possa formar uma boa idéia do objeto de estudo. São constructos também temas como organização, governança corporativa e estratégia, apenas para citar.

Retornando à segunda visão anteriormente vista, no livro The theory of the grouth of the firm (1959), a professora Edith Penrose define a firma como sendo um conjunto de recursos produtivos, humanos e materiais. Os recursos citados não seriam apenas os insumos do processo de produção, mas os serviços que podem ser gerados como função da experiência e do conhecimento acumulado pela firma. Assim, a organização constituiria uma coleção de conhecimentos armazenados e passíveis de serem mobilizados. Penrose identificou o planejamento como fator central do crescimento das firmas, argumentando que os modelos mentais emergentes da experiência e do conhecimento determinam as bases desse crescimento. Assim, ela teve o insight de que a firma reúne e combina recursos produtivos, não existindo relação direta entre insumos (inputs) e produtos (outputs); os segundos dependeriam do ambiente interno e dos conhecimentos usados na produção. O conceito de firma de Penrose constitui uma das maiores contribuições dadas pela ciência econômica ao constructo tratado neste artigo: a estratégia, o caminho por meio do qual se busca criar valor a longo prazo para a empresa e os seus acionistas.

Existem muitos estudos sobre o pensamento estratégico e podemos recomendar aos interessados o livro Safári da estratégia, de autoria de Henry Mintzberg, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel, o qual apresenta várias teorias sobre a estratégia, identificadas a partir da compilação e análise de um número considerável de trabalhos. Em outro artigo, poderemos desenvolver alguns raciocínios acerca dessas teorias, mas nos deteremos aqui em um tópico que nos parece bastante relevante: o elo perdido entre a estratégia e a governança corporativa nas sociedades por ações. Quem faz a conexão entre esses dois constructos, interligando-os e, dessa forma, contribuindo para tornar a companhia robusta e sustentável?

Acreditamos a resposta à pergunta acima seja o conselho de administração e isso está, inclusive, na Lei. A estratégia, crucial à sobrevivência das empresas, emerge de instituições formais como a Lei das Sociedades Anônimas (6.404, 15/12/76), que determina, como primeira função do conselho de administração, fixar a orientação geral dos negócios da companhia (artigo 142, parágrafo I). É muito importante que as discussões sobre governança corporativa não alijem ou coloquem em segundo plano a questão da estratégia, pois freqüentemente o foco se concentra no embate entre quem detem a propriedade e quem administra da empresa (conflito de agência) ou entre quem detem a propriedade e quem depende de resultados positivos da empresa (stakeholders). Conforme comentamos em outro artigo publicado nesta Revista, as discussões sobre governança costumam ficar polarizadas entre o modelo financeiro (a empresa existe para servir o acionista) e o modelo dos públicos estratégicos ou stakeholders (a empresa existe para atendar a vários públicos), mas existem outras questões candentes que também merecem desmesurada atenção. Focalizaremos aqui a seguinte: como criar um ambiente de discussão e validação da estratégia em que as contribuições verdadeiramente relevantes ao foco de longo prazo possam emergir? Façamos aqui uma reflexão sobre a composição de conselhos que mais agrega valor à empresa e aos seus acionistas focados no longo prazo.

Michael E. Porter, no artigo Capital disadvantage: America´s falling capital investment system (1992), defende a participação de distintos públicos estratégicos (stakeholders) em instâncias superiores de decisão (conselhos) das corporações norte-americanas, citando os mercados de capitais alemão e japonês como exemplos em que tais públicos apresentam maior influência na administração e em que a visão de longo prazo é mais valorizada. O autor destaca fatores como a elevada volatilidade do mercado de capitais nos EUA, o foco em resultados de curto prazo e a alocação menos eficiente de investimentos, defendendo que seria possível reunir características dos mercados alemão e japonês, como a maior participação de públicos relevantes (stakeholders) primários em decisões corporativas, para a obtenção de um mercado superior, com as melhores características dos modelos norte-americano, alemão e japonês. O artigo citado recebeu críticas de várias pessoas, a exemplo de Oliver E. Williamson, para quem a proposta de Porter aumentaria desnecessariamente o risco da empresa (Williamson, The mechanisms of governance, 1996). Williamson defende que no conselho estejam apenas aqueles públicos detentores de ativos efetivamente preciosos; mas Porter, um dos mais influentes pensadores sobre estratégia da literatura, postula a participação de distintos públicos nas instâncias superiores de decisão das companhias por pragmatismo e por entender que isso implica mais possibilidades de criação de valor para os acionistas. Sem ignorar a força da argumentação de Williamson - lembrando que mais riscos implicam custo de capital maior - e reconhecendo que o esforço de coordenação dos trabalhos do conselho poderá ser redobrado (e estafante!) para mitigar os riscos, se os conselheiros não forem pessoas razoáveis no relacionamento em grupo, bem preparadas e capazes de agregar real valor às discussões, acreditamos que Porter tem razão, que os acionistas podem ganhar com a presença de representantes de empregados e de outros grupos estratégicos nos conselhos, e que alinhamento de objetivos (todos estão a favor da empresa) e de interesses (todos ganham se a empresa se der bem) serão fundamentais.

MMB - Publicado na Revista RI

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