sábado, 20 de março de 2010

13 - Qual é a sustentabilidade que o investidor pode esperar?

Novembro de 2008


O conceito de sustentabilidade emerge do famoso relatório denominado Our common future (Nosso futuro comum), publicado em 1987 e também conhecido como Relatório Brundtland. O documento em questão é uma das referências mais importantes da humanidade sobre o tema desenvolvimento sustentável, tendo resultado das preocupações da Organização das Nações Unidas – ONU – sobre meio ambiente e desenvolvimento. Brundtland é o sobrenome da então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, presidente da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - CMMAD -, criada pela ONU com o propósito de discutir as relações entre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, bem como de propor alternativas para que isso se viabilize.


O documento em questão pode não ter sido o primeiro texto que tratou da sustentabilidade, mas, certamente, foi o primeiro sobre o tema disseminado em bases planetárias. A expressão desenvolvimento sustentável emerge do Relatório Brundtland e significa o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade de as gerações futuras suprirem suas próprias necessidades. Essa definição explicita uma visão desenvolvimentista que reconhece que existe limite para o uso de recursos naturais. Em 2009, o Relatório completa 22 anos de publicação; mesmo com as críticas sofridas ao longo do tempo - lembrando que suas projeções consideram as melhores informações disponíveis no momento de sua elaboração -, ele tem gerado múltiplos desdobramentos práticos, como o Tratado de Kyoto entre outros; essencialmente, suas premissas básicas permanecem atuais.


O Relatório Brundtland apresenta um conjunto de recomendações focadas em cooperar com a solução de problemas supranacionais, tais como o uso do conceito de desenvolvimento sustentável por entidades de financiamento, a proteção de eco sistemas como Antártica, oceanos e outros, a eliminação de guerras e a implementação de um programa de desenvolvimento sustentável pela ONU. No que se refere aos países, o Relatório apresenta recomendações como limitar o crescimento da população, garantir recursos básicos como água, energia e outros a longo prazo, preservar a biodiversidade e os ecosistemas, diminuir o consumo de energia e desenvolver tecnologias energéticas renováveis, aumentar a produção industrial de países não industrializados via tecnologias limpas, controlar a urbanização desordenada e atender a necessidades básicas de saúde, educação e habitação.



O trabalho da Comissão Brundtland foi um passo importante; mesmo assim, 22 anos após, a ficha aparentemente ainda não caiu para muitas pessoas e organizações, as quais ainda não perceberam que o ataque sistemático ao meio ambiente tem potencial para provocar grandes desastres ambientais, cujas conseqüências são, em grande medida, imprevisíveis. O modelo de desenvolvimento baseado no crescimento e nos retornos financeiros, consoante uma lógica exclusivamente econômica, necessita ceder lugar a outra rationale, favorável ao futuro da humanidade; não se trata de ecochatice, mas de constatação científica.


Dado esse pano de fundo mais amplo, perguntamos: sob o prisma empresarial, como considerá-la, especialmente no caso de companhias com ações listadas em bolsa de valores? Qual é a sustentabilidade que os investidores, especialmente aqueles que baseiam suas decisões em modelos fundamentalistas, os quais investigam mais a fundo os fundamentos organizacionais, podem esperar ou demandar dessas empresas?


Em linha com o Relatório Brundtland, a expressão sustentabilidade empresarial pode ser considerada, de maneira abrangente, como sendo sinônima de desenvolvimento empresarial sustentável, o qual permita satisfazer necessidades presentes sem comprometer possibilidades de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades. De forma mais específica, a sustentabilidade empresarial também necessita encampar aspectos como busca de longevidade e sucesso de longo prazo; adicionalmente, a sustentabilidade necessita reconhecer e abranger variáveis econômicas, sociais e ambientais.


Ex expositis, entendemos que a sustentabilidade, no caso das empresas acima citadas implica, sem exaurir as possibilidades: 1. ter uma missão clara quanto ao papel da empresa em relação à sociedade que ela pretende servir; 2. ter uma visão desafiadora de longo prazo, que sirva como farol à estratégia, caminho de alcance dessa visão; 3. abraçar princípios éticos que tenham emergido de dentro para fora, via reflexão real dos dirigentes organizacionais; 4. adotar políticas e práticas de governança corporativa consistentes e coerentes entre si; 5. formular uma boa estratégia que leve em consideração as oportunidades de negócios, as variáveis econômicas, sociais e ambientais relevantes e as capacidades organizacionais; 6. administrar essa estratégia considerando objetivos, indicadores e metas, assegurando que o caminho traçado seja seguido; 7. cuidar do capital humano, atraindo e retendo talentos, desenvolvendo lideranças e sucessores, recompensando o bom desempenho e mantendo o clima de trabalho edificante e estimulante; 8. administrar os investimentos, em prol do bom uso de recursos financeiros; 9. administrar os riscos relevantes; 10. informar os públicos relevantes (stakeholders) e a sociedade. Acreditamos que os investidores fundamentalistas apreciarão bons resultados baseados em tais quesitos, pois, resultados econômicos per se não são indícios suficientes de boa sustentabilidade.


Os tópicos acima citados parecem interessantes e merecedores de aprofundamento; por ora, enfatizamos o ponto de vista de que não pode haver sustentabilidade se ela não estiver efetivamente refletida nas estratégias corporativa e por negócio. A nosso ver, clareza quanto ao posicionamento da empresa em relação ao meio ambiente, às comunidades e às questões sociais deve pautar as estratégias e sua implementação, já que as evidências indicam que as sociedades por ações e as demais organizações da economia serão, cada vez mais, instadas a trabalhar seriamente o conceito de sustentabilidade. Mudanças serão cada vez mais cobradas via regras do jogo formais mais rígidas ou maiores exigências de mercados clientes e fornecedores; a prática exigirá o trabalho duro inerente à administração da estratégia e das operações no dia-a-dia, não existindo soluções pret à porter capazes de tornar as empresas estrategicamente sustentáveis ou tanto quanto possível.


Finalizamos expressando a idéia de que o conceito de sustentabilidade pode ser adotado independentemente do tamanho da organização, conforme observa Roberto Gonzalez no artigo As pequenas e médias empresas podem ser realmente sustentáveis? (www.apimecmg.com.br, 2006): todas as organizações ditas sérias são candidatas à incorporação da responsabilidade social como um princípio ético inerente ao seu trabalho. Ponto de atenção: muita energia executiva será necessária em prol de um mundo sustentável e melhor.



MMB - Publicado na Revista RI

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