sábado, 20 de março de 2010

10 - Empresas holdings são icebergs de destruição de valor econômico?

Agosto de 2008

O verbo to hold em inglês tem os significados de manter, controlar e guardar entre outros. O que são empresas holdings? De maneira mais abrangente, podemos dizer que constituem um dos muitos instrumentos usados nas economias capitalistas para fins de controle empresarial, entre os quais os acordos internacionais (exemplo: Acordo de Kyoto), as leis nacionais (como a Lei das Sociedades Anônimas, n. 6.404 de 15/12/76 e suas revisões), a regulamentação vigente (as várias instruções da Comissão de Valores Mobiliários, para exemplificar), a auto-regulação de mercado (citando aqui o Novo Mercado, os Níveis 1 e 2 de governança da Bolsa de Valores de São Paulo), os estatutos empresariais, os acordos de acionistas, os códigos de ética, os regulamentos empresariais próprios, os contratos e muito mais, incluindo os ditames da cultura e suas regras informais (em geral, férreas). Se refletirmos de maneira mais restrita, holdings são, também, portfólios de ativos, de forte a fracamente administrados.

Mas por que pode fazer sentido criar uma empresa holding? Acionistas não preferem diversificar eles mesmos seu portfólio de investimentos? Por que uma holding pode valer menos no mercado de ações do que a soma de suas subsidiárias? Tais perguntas fazem sentido, pois, para muitos investidores, a necessidade de criação de uma holding pode parecer algo subjetivo ou imaterial. Há algum tempo, um colega de trabalho, executivo de finanças, investidor e estudioso do mercado de capitais, fez uma afirmativa que nos fez pensar: holding é algo que eu não compreendo bem e que, portando, considero arriscado, pois nunca se sabe exatamente como se dão as transferências de valor econômico entre ela e seus principais acionistas. Ficamos com essa frase na cabeça e ela motiva a existência do presente artigo. Após trocar idéias com alguns investidores e administradores do nosso relacionamento, os quais preferem não ser citados, chegamos à seguinte hipótese: holdings não serão icebergs de destruição de valor econômico, a depender de como forem usadas em prol do seu conjunto de acionistas como um todo.

Quais motivos podem ensejar a criação de holdings? Vários, aqui divididos em dois grupos: aqueles ligados às pessoas físicas e às suas famílias e aqueles ligados à administração de negócios per se. Pessoas físicas podem abrigar seus ativos em empresas holdings por entenderem que isso é mais conveniente sob o prisma da segurança pessoal e da gestão patrimonial. Raciocinando com base nos interesses da família, elas podem buscar uma solução para assegurar a presença familiar nos negócios por muitos anos, mitigar conflitos e favorecer o aproveitamento de talentos e experiências familiares onde for mais conveniente. Já sob o prisma administrativo, o qual também pode interessar às pessoas e famílias, as holdings criam a obrigatoriedade de ampliar a visão sistêmica dos negócios, podem contribuir para melhor equacionar o pagamento de tributos, favorecer a mitigação de riscos e mais, prestar serviços às subsidiárias de um grupo empresarial.

Não podemos deixar de dizer que as holdings existem sob diferentes tipologias, podendo ser criadas por pessoas, famílias ou empresas, ser de participações (sem atividade operacional) ou operacionais (com atividade operacional), ter capital aberto ou fechado, e ainda, formato estelar (a holding está no epicentro de holdings dela controladoras e por ela controladas) ou piramidal (a holding controla outras holdings a jusante, em cadeia). Naturalmente, essas tipologias não se auto-esgotam, mas acreditamos que dão uma idéia do que se pode encontrar no capitalismo. Adicionalmente, são funções típicas de holdings em muitos grupos empresariais (em ordem alfabética): aquisição de ativos, auditoria, comunicação social, conselho de administração e seus comitês e conselho fiscal, controladoria em âmbito nacional e internacional (controles de subsidárias em países estrangeiros), finanças corporativas (com destaque para a gestão dos investimentos do grupo), jurídico, logística e suprimentos, meio ambiente, planejamento e gestão da estratégia, recursos humanos (gente), relações com investidores, tecnologia geral e tecnologia de informação entre outras

Se as considerações anteriores ajudam a compreender as causas da existência das holdings e os serviços que elas pode prestar a um grupo empresarial, fica, ainda, faltando fechar um raciocínio: como as holdings devem ser administradas em prol dos interesses dos acionistas que não dependem delas para diversificar seus investimentos? Como reunir vários negócios e unidades de negócios (UNs) sob uma mesma empresa holding de forma a interessar aos investidores citados? A melhor resposta que encontramos é: gerindo a holding de maneira a criar sinergias entre as UNs e as áreas de suporte às mesmas. Exploremos essa questão em termos simples, na linha adotada pelos professores Roberto Kaplan e David Norton, no livro Alignment (2006): uma holding criada para gerir várias UNs, ao ser implantada, cria um custo próprio. Sob o ponto de vista estritamente financeiro, o valor total das unidades administrativas é subtraído, no momento da criação da holding, desse custo a valor presente. Entretanto, se a holding passa a coordenar as UNs criando sinergias, ou seja, fazendo com que elas operem conjuntamente de forma superior, o valor econômico do grupo empresarial aumenta. Esta é, portanto, a chave da gestão da estratégia de uma holding (a estratégica corporativa): criar sinergias e, portanto, valor econômico.

Existem inúmeras alternativas que favorecem a criação de valor via sinergias: administração otimizada de participações em todas as suas etapas, busca de acesso comum a fontes de financiamento de baixo custo, realização de vendas casadas ou cruzadas para clientes de diferentes UNs, compartilhamento de processos e recursos operacionais, gestão superior de pessoas e de conhecimento são exemplos que não esgotam o rol de possibilidades. E existem muitas outras identificadas por Kaplan e Norton, que buscam explorar a questão à luz do Balanced Scorecard. Sinergias criadas no âmbito de uma holding podem e devem mais do que compensar os seus custos próprios. Sob o prisma estratégico, as estratégias das empresas holdings devem perseguir sinergias. Cumpre lembrar que a empresa holding agrega, genericamente, dois riscos muito relevantes: o primeiro risco é o da fraca governança interna (referimo-nos aqui à governança das empresas sob a holding), com perda de alinhamento; quando a holding é fraca, pode permitir que determinadas subsidiárias tomem decisões de forma não otimizada para o grupo empresarial, com substancial perda de sinergia. Em segundo lugar, existe o risco da falta de transparência, já que os públicos externos acessam apenas parte das informações empresariais.

Holdings podem ser mais descontadas nos mercados acionários; conforme dito inicialmente, o preço de suas ações pode ser inferior ao valor total das ações de empresas sob elas abrigadas, assim atestam exemplos do mundo real. É louvável o esforço que alguns grupos empresariais têm feito buscando reduzir esse desconto, aumentando sua transparência e demonstrando sua boa governança, mas explicitar com clareza o papel das holdings na criação de sinergias merece grande atenção dos dirigentes empresariais. Não basta fazer bem, é preciso demonstrar que se faz bem. Nesse sentido, enfatizamos aqui o papel fundamental das áreas de Relações com Investidores das companhias holdings com ações em Bolsa de Valores: elas têm o grande desafio de demonstrar aos investidores do mercado de capitais como a holding cria maior valor do que o custo que impõe pelo fato de existir.

MMB - Publicado na Revista RI

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