sábado, 20 de março de 2010

23 - Em que prestar a atenção nas fusões e aquisições?

Setembro de 2009



Fusões e aquisições são um caminho importantíssimo, para não dizer imprescindível, para as empresas que desejam expandir-se rapidamente; ao mesmo tempo, não constituem um caminho fácil. Neste artigo, teceremos algumas considerações sobre o tema, partindo de um exemplo noticiado em âmbito internacional: a fusão da Hewlett-Packard (HP) com a Compaq, ocorrida há alguns anos. As considerações aqui apresentadas baseiam-se em informações colhidas via internet e jornais da época, podendo ser imperfeitas, bem como não refletir exatamente o que ocorreu; mesmo assim, correremos o risco de algumas reflexões que tomam esse case como ponto de partida, sem juízo de valor, até em função da incerteza informacional.



No ano de 2005, a saída da CEO da HP, Carleton Fiorina, ocupou considerável espaço na mídia. A sra. Fiorina teve sua saída determinada pelo conselho de administração da companhia, supostamente em função de forte questionamento à estratégia defendida pela executiva, tendo em vista que a fusão da empresa com a Compaq não alcançara os resultados prometidos até aquele momento. A CEO teria vivenciado, em sua administração, oposição ao seu projeto de fusão, inclusive por parte de Walter Hewlett, um dos fundadores da companhia. Analistas de mercado teriam manifestado dúvidas quanto ao sucesso do projeto e, mesmo com um breve período de elevação, em 2000, o preço das ações da HP sofreu forte queda ao longo da administração Fiorina. Tempos após sua saída da empresa, a ex-CEO escreveu um livro, denominado Escolhas difíceis, buscando, entre outros objetivos, trazer ao público o seu ponto de vista sobre o assunto.



Genericamente, tal episódio de demissão presumidamente baseado em uma estratégia de fusão de empresas que se revelou problemática, permite criar perguntas, tanto para os dirigentes das companhias com ações em bolsa de valores quanto para analistas e profissionais de investimento do mercado de capitais e neste breve artigo, apresentamos duas singelas questões: (1) Em um processo de fusão ou aquisição, o que confere aos dirigentes corporativos uma boa dose de confiança na criação de sinergia (2 + 2 = 5, sendo 1 o valor da sinergia)? (2) Como os analistas, profissionais de investimento e investidores dos mercados de ações podem avaliar as fusões e aquisições?



No que se refere à primeira questão, consideremos o seguinte: a reunião de empresas sob um mesmo contexto corporativo faz sentido quando existe forte chance de ampliação do negócio com sinergia: a Empresa “A”, que vale $ 100, adquire a Empresa “B”, que também vale R$ 100; a aquisição resultará em ganhos de receita e/ou redução de gastos totais de $ 20, o que significa que com a fusão, a nova Empresa “A+B” valerá $ 220. A sinergia criada na operação corresponde, portanto, a $ 20 e juntas, as Empresas “A”e “B” têm forte chance de valerem mais do que separadas. Esta é a lógica.



Se o conceito de sinergia não apresenta maior dificuldade, na realidade prática das organizações, não é fácil assegurar a criação de sinergia em fusões e aquisições, por diversos motivos, entre os quais, citamos aqui as dificuldades de operacionalizar as melhores intenções e o choque de culturas entre organizações distintas. Assim, dirigentes corporativos, ao tomarem decisões sobre fusões e aquisições, necessitam se debruçar com olhar muito crítico sobre as efetivas potencialidades de criação de sinergias, buscando diagnósticos realistas e sem “achismos” sobre o que é realmente é possível de ser alcançado nos próximos anos. Esse tipo de diagnóstico é imprescindível, a nosso ver, às decisões dos conselhos de administração.



Ponto de atenção: fusões e aquisições envolvem estudos detalhados, competências distintivas, exigindo frequentemente a contratação de talentos externos, além de grandes esforços corporativos; ao mesmo tempo, estudos laboriosos também podem incorrer em grandes erros. Gostaríamos, neste ponto, de fazer uma breve digressão para citar o interessantíssimo livro Blink – a decisão num piscar de olhos, de autoria do professor Malcom Gladwell, por meio do qual o autor discorre sobre tomadas de decisões rápidas e eficazes. O professor ilustra, por meio de vários exemplos, que as impressões intuitivas obtidas em poucos segundos podem ser tão ou mais valiosas do que as decisões maturadas ao longo de meses de estudo. Será improdutivo, então, estudar bastante um assunto, como uma fusão ou aquisição, antes que seja tomada uma importante decisão sobre ele? Não é essa a mensagem do livro de Malcom Gladwell, até porque o próprio autor é um pesquisador e pesquisas frequentemente demandam tempo para serem trabalhadas e bem compreendidas.



No início do livro, o autor descreve um primeiro exemplo, que se inicia por volta de 1983: o da estátua kouros, adquirida pelo museu J. Paul Getty, da Califórnia. Durante 14 meses, antes de sua aquisição, a estátua foi investigada por especialistas, tendo os estudos técnicos concluído pela sua autenticidade.; entretanto, havia algo errado com a kouros. Federico Zeri, historiador de arte e membro do conselho de curadores do museu, foi o primeiro a identificar o problema, a partir de exame visual das unhas da estátua; após ele, outros especialistas tiveram insights baseados em outras variáveis além das unhas, que culminaram com um amplo debate sobre a autenticidade da kouros, a qual, aliás, não era autêntica. Malcolm Gladwell demonstra a importância de as decisões serem tomadas com base nas variáveis realmente relevantes para a eficácia das decisões, lembrando que, nem sempre, os processos racionais de tomada de decisões são construídos para captar as informações realmente relevantes.



Assim sendo, os estudos sobre fusões e aquisições necessitam criar e responder consistentemente a perguntas claras, que captem variáveis relevantes de decisão sobre a operação considerada, citando-se aqui algumas: (1) quais são as fontes potenciais de sinergias que essa operação oferece? (2) quais são as dificuldades que essa operação oferece, criando riscos reais à obtenção das sinergias citadas? (3) realisticamente, quais sinergias têm forte chance de serem alcançadas nos próximos X anos, levando em consideração as dificuldades a serem enfrentadas? Dito de outra forma: quais novas receitas e gastos evitados poderão ser alcançados até o final do prazo X, sem que os dados sejam forçados para agradar a grupos de poder? Aqui, é importante definir um prazo, dadas as dificuldades operacionais e as necessidades de ajustamentos culturais.



E quanto aos analistas e profissionais de investimento dos mercados de ações, como eles podem avaliar as fusões e aquisições? Em uma breve passagem de Blink, Malcolm Gladwell descreve o encontro entre membros das forças armadas e profissionais de investimento do mercado de capitais dos EUA, os quais se sentiram confortáveis uns com os outros, possivelmente por partilharem a necessidade eventual de tomarem decisões rápidas e baseadas em bons julgamentos. Rápidas, no caso de fusões e aquisições? Não necessariamente, ao menos na visão fundamentalista dos profissionais mais criteriosos, visto que, além de projetarem o fluxo de caixa descontado com base nas informações prestadas pelas empresas, eles incluirão em sua análise, de alguma forma, variáveis como transparência informacional e coerência percebida entre discurso e prática.


MMB - Publicado na Revista RI

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