sábado, 20 de março de 2010

22 - É possível planejar o futuro com eficácia?

Agosto de 2009


Qual é a importância do futuro, no contexto microeconômico das empresas, especialmente daquelas com ações em bolsa de valores, e dos mercados de capitais?


Projetar o futuro é parte essencial do cotidiano dos agentes que atuam nos ambientes empresas e mercados. O valor econômico de uma empresa reside no seu futuro, refletido no fluxo de caixa descontado, lembrando que esse fluxo depende das diferenças entre as projeções de receitas e gastos estimados, assim como do custo de capital esperado. Ainda que os focos de projeção sejam diferentes e fortemente impactados, no caso dos agentes do mercado, pela assimetria informacional, é do futuro projetado nas planilhas eletrônicas que emerge o valor econômico empresarial percebido por um agente econômico.


No caso específico das empresas, projetar o futuro significa planejar. Em seu livro Administrando em tempos de grandes mudanças, de 1997, o professor Peter Drucker, famoso pela grande influência exercida sobre a atuação concreta de inúmeros dirigentes empresariais ao redor do mundo, apresenta um ensaio sobre o planejamento para a incerteza. Segundo ele, os planejadores, ao raciocinarem em bases tradicionais, costumam perguntar: o que é mais provável que aconteça? Entretanto, a pergunta certa a ser feita seria outra: o que já aconteceu que criará o futuro?


Peter Drucker prossegue, complementando a pergunta essencial acima com outras, que devem, em seu entendimento, constar na agenda dos planejadores:


1.O que os fatos consumados significam para o negócio?


2.Que oportunidades eles criam?


3.O que ameaçam?


4.Quais mudanças eles exigem na estrutura, metas, serviços e políticas?


5.Quais mudanças eles tornam possíveis e vantajosas?


Drucker exemplifica seu pensamento citando os japoneses, que perceberam e exploraram a tendência de gastos com produtos eletrônicos de entretenimento – rádio, televisão, audiocassetes, videocassetes e outros -, após a Segunda Guerra Mundial, ganhando muito dinheiro em função dessa percepção adiantada em relação aos concorrentes.


Um questionamento apresentado pelo autor no ensaio supracitado diz respeito às pessoas ditas idosas, admitindo-se aqui que tal conceito tem se tornado a cada dia que passa mais fluido, em vista da melhor saúde e aumento do tempo estimado de vida das pessoas outrora assim referenciadas. Será que as pessoas idosas não poupam? Isso é mesmo verdade?


O cerne das ponderações de Drucker no ensaio em questão é: planejar para a incerteza exige fazer uma leitura crítica do passado e do presente para entender a partir de quais fatos já consumados ou a caminho da consumação podem ser identificadas forças e fraquezas e criadas novas oportunidades. Esta é uma das melhores pérolas legadas ao mundo por Peter Drucker.


Mas planejamento do futuro, em linhas gerais, com base na formulação de perguntas certas é a primeira parte da história; a segunda contempla o planejamento fino, detalhado, do que fazer, com vistas à implementação bem sucedida e com minimização de riscos. Nesse sentido, Mar sem Fim, livro do navegador brasileiro Amyr Klink, lançado em 2000, poderia fazer parte da biblioteca de pessoas que desejam implementar desafios. O livro narra a viagem de circunavegação do famoso navegador brasileiro à Antártica, realizada no barco Paratii, descrevendo a viagem iniciada em 31 de outubro de 1998 e concluída cinco meses depois. O que Mar sem fim tem a ver com tema deste breve artigo?


Consideremos, inicialmente, a descrição da própria viagem. Como exemplos que demonstram a riqueza dessa experiência de Amyr Klink, podem ser citadas as paradas na Geórgia do Sul, na baía Dorian e na Estação Comandante Ferraz, além da conturbada travessia em direção à misteriosa ilha de Bouvetoya, a mais isolada do planeta. O livro é pontuado por momentos de grande - para não dizer extrema - tensão e trabalho, de enfrentamento de condições consideravelmente adversas e, também, por instantes de repouso e apreciação da natureza que somente podem ser vivenciados, segundo o autor, no continente antártico.


Em segundo lugar, desponta a preparação da empreitada: Amyr Klink é um planejador detalhado, além de ótimo gestor de riscos. Em Mar sem fim (e de resto, em outros livros do autor), tais atributos sempre emergem. Suas viagens passam por uma preparação severa, com grande riqueza de detalhes; afinal, o navegador somente pode contar consigo mesmo e com os recursos que tiver à mão quando em alto mar. Klink acumulou uma experiência prática tal que lhe permite adotar inovações tecnológicas com relativa tranqüilidade, conforme ilustra o exemplo da escolha do mastro do Paratii: uma peça branca, rotativa e “simples como um coqueiro, apoiada sobre uma moeda norueguesa de um obre”.


Mar sem Fim ainda enseja reflexões sobre aspectos como a coragem de navegadores do quilate de James Cook, que se tornou o primeiro a circunavegar a Antártica, vencendo mares bravios e o escorbuto, doença típica dos navios da época (1772-1775); Cook e muitos outros navegadores, alguns dos quais não sobreviveram às suas respectivas viagens, enfrentaram desafios complexos para o seu tempo.


Dadas essas singelas considerações, retornamos à pergunta inicial deste artigo: é possível planejar o futuro com eficácia? Acreditamos que sim, certamente, de forma ampla e de forma muito detalhada, tendo em mente que o passado é alicerce do futuro, mas que o futuro, afinal de contas, é sempre o futuro.


Lembramos, ainda, que aos dirigentes distantes do dia-a-dia das operações empresariais, como os conselheiros de administração, a monitoração do planejamento traçado é fundamental, razão pela qual esses profissionais necessitam contar com instrumentos, radares e bússolas corporativas, capazes de sinalizar se o navio empresarial navega efetivamente rumo aos objetivos estratégicos traçados; este seria um bom assunto para um futuro artigo.



MMB - Pbulicado na Revista RI

Nenhum comentário:

Postar um comentário