sábado, 20 de março de 2010

17 - Quais são as armadilhas presentes nas decisões dos governantens corporativos?

Março de 2009

Tomar decisões é uma das funções mais relevantes da administração, exigindo que os dirigentes organizacionais façam escolhas sobre o futuro com base em informações imperfeitas ou incompletas. Douglass North, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1993 pelos seus estudos e pesquisas sobre institucionalismo econômico, afirma que os modelos decisórios das pessoas são muito específicos, mudando de indivíduo para indivíduo, sendo afetados não apenas pelas limitações cognitivas, mas também pelas suas motivações. Nesse sentido, a teoria das expectativas racionais, ainda que interessante no estudo da Economia, não corresponderia, exatamente, à realidade prática das decisões.

Estudiosos têm analisado as formas como a mente funciona na tomada de decisões, em estudos de laboratório e de campo, os quais revelam a existência de rotinas inconscientes para lidar com a complexidade inerente à maioria das decisões. John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard Raiffa, no artigo The hidden traps in decision making (Harvard Business Review, 1998), argumentam que tomar decisões é o mais importante trabalho de um executivo, sendo, também, o mais difícil e arriscado. Os autores examinaram um conjunto de armadilhas psicológicas particularmente relevantes na tomada de decisões; neste breve artigo, comentaremos cinco, lembrando que elas não esgotam o trabalho dos três pesquisadores mencionados.

A primeira, a armadilha da ancoragem (the anchoring trap), corresponde à tendência da mente humana de prestar maior atenção às primeiras informações recebidas sobre uma determinada questão, as quais funcionam como âncoras ao raciocínio posterior, ainda que sejam infundadas. Tais âncoras podem ser desde comentários feitos por profissionais envolvidos nas discussões até estatísticas apresentadas em jornais e outros meios, estabelecendo os termos em função dos quais as decisões são tomadas. Todos os decisores de uma organização estão sujeitos à armadilha da ancoragem, mas acreditamos que os conselheiros de administração estejam entre os mais propensos a serem capturados, uma vez que o seu trabalho é feito, frequentemente, com base nos conteúdos encaminhados pelas diretorias executivas - relatórios, apresentações e outros itens – os quais podem se tornar âncoras para o raciocínio, restringindo ou no mínimo delimitando o livre pensar. As diretorias executivas, por sua vez, também podem sucumbir às âncoras que emergirem das áreas a elas subordinadas e o processo pode se desdobrar ao longo da cadeia hierárquica organizacional.

A segunda armadilha identificada pelos autores em questão, a armadilha do status quo (the status quo trap), emerge do desejo humano de proteger o ego. Experimentos demonstram que as pessoas preferem evitar mudanças, quando instadas a escolher entre a manutenção de uma situação vigente e a mudança. Mudar, na perspectiva dos autores, exige ação e responsabilidade pela ação, expondo o decisor a críticas. Quem está mais propenso, no ambiente de governança corporativa, a ser colhido pela armadilha do status quo? Acreditamos que todas as pessoas envolvidas nas grandes decisões empresariais, típicas desse ambiente de cúpula organizacional. Ao mesmo tempo, por ser o conselho de administração uma instância colegiada, as decisões ali tomadas se tornam diluídas entre os conselheiros, os quais compartilham responsabilidades decisórias. Já no caso das instâncias abaixo do conselho, as responsabilidades podem crescer em personalização. Não se pode afirmar que o compartilhamento das decisões por conselheiros implica, necessariamente, tendência a decisões menos arrojadas, mas os conselhos necessitam estar atentos quanto à natureza colegiada do seu trabalho e à necessidade de exigir mudanças imperativas.

A terceira armadilha identificada por Hammond, Keeney e Raiffa é a armadilha do custo afundado (the sunk-cost trap), que consiste em tomar decisões que justifiquem ou ratifiquem decisões passadas, mesmo quando elas não parecem mais válidas. A maioria das pessoas têm caído nessa armadilha, recusando-se a fazer necessárias mudanças, porque isso seria admitir um erro. No ambiente de negócios, más decisões tornam-se conhecidas pelas demais pessoas, razão pelas qual prefere-se não reconhecê-las. Em nossa opinião, a armadilha do custo afundado dificilmente será percebida, se a empresa não tiver processos explicitamente orientados para o acompanhamento e a crítica genuína, ainda que respeitosa, do status das decisões. Quantas decisões do conselho de administração ou da diretoria executiva são, de fato, acompanhadas em seus resultados? Vale lembrar que podem existir conselhos fracos, dominados por diretorias e meros validadores de decisões tomadas em níveis hierárquicos inferiores.

A quarta armadilha citada pelos três estudiosos é a armadilha da confirmação das evidências (the confirming evidence trap), a qual consiste na busca de informações que confirmem um instinto ou ponto de vista interno, evitando-se a busca das informações conflitantes com aquilo que já se tem em mente. Tal armadilha, segundo os autores, afeta não apenas onde se buscam as informações, mas também a forma como as mesmas são interpretadas para favorecer o ponto de vista de determinado decisor. Chamamos aqui a atenção sobre a sugestão de Hammond, Keeney e Raiffa de designar alguém para questionar idéias apresentadas nas fragilidades (exercendo o papel de advogado do diabo), o que nos parece muito interessante para reuniões de conselhos de administração. Quem poderia representar essse papel? Em nosso entendimento, um ou dois conselheiros poderiam ser designados exclusivamente para o propósito de buscar exaustivamente defeitos nas alternativas avaliadas e o papel poderia ser desempenhado por diferentes conselheiros, conforme a natureza do assunto e das condições específicas da decisão que se considera.

A quinta e última armadilha citada neste artigo é a armadilha da formulação ou formatação (the framing trap), que consiste na influência da forma como uma questão é apresentada sobre as decisões das pessoas. A formatação de uma questão é uma das etapas mais perigosas da tomada de decisões. A armadilha da formulação está relacionada com as outras armadilhas anteriormente descritas: a forma de apresentação de uma questão pode introduzir âncoras, valorizar custos afundados (sunk costs) ou informações que confirmem um ponto de vista que alguém pretende impor. Provavelmente, a armadilha da formatação é uma das mais frequentes na apresentação de informações aos conselhos de administração e às diretorias, especialmente quando alguém está interessado em vender uma idéia ou projeto. Não nos parece absurdo imaginar que a maioria dos projetos encaminhados para apreciação às intâncias superiores das organizações seja apresentada buscando os ângulos mais favoráveis e sem explorar adequadamente possíveis falhas construtivas.

Finalizando, como lidar com essas e outras armadilhas presentes nas decisões? A pergunta merece um artigo específico visando explorar as opções oferecidas pelos três autores que aqui mencionamos; para o momento, vale o alerta de que existem armadilhas nas decisões humanas e de que é preciso saber como lidar com elas nas empresas e de forma mais ampla, mitigando os riscos que podem impactar desfavoravelmente os negócios, as carreiras e as trajetórias individuais das pessoas.


MMB - Publicado na Revista RI

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