sábado, 20 de março de 2010

21 - Governança pode ajudar no combate à corrupção?

Julho de 2009


A corrupção não é privativa de alguns países; existe ao redor do mundo e em muitas esferas, nos vários setores das diversas economias. O que diferencia as nações no que se refere ao tema corrupção? Acreditamos, supondo que esse raciocínio também se aplique ao Brasil, que três aspectos principais favoreçam ou estimulem a corrupção nos países do mundo moderno:


1. a atitude das pessoas e, portanto, das sociedades em relação à corrupção, com maior ou menor nível de tolerância;


2. os mecanismos criados pelas sociedades para lidar com o fenômeno, com maior ou menor nível de punição efetiva de corruptos;


3. o nível de burocracia “inutilmente complexa” das organizações, especialmente das organizações do Estado. Não estamos aqui discutindo ideologicamente a questão do tamanho do Estado, mas meramente mencionando sua forma de operar.


Os três aspectos citados podem estar visceralmente entrelaçados.


O Brasil tem convivido com a corrupção desde os primórdios de sua história. O autor do livro A história do Brasil pelo método confuso, Mendes Fradique, diz, acerca do período da descoberta do País: “... O comércio mais ativo era o de princípios, de opiniões, de votos, de caráter e até o da alma. Toda a gente era negociante. Dizem alguns paleontologistas que até a justiça tinha uma venda” (jornal Estado de Minas, 2005).


Já a cientista política e escritora Isabel Lustosa, que escreveu livros sobre a corrupção no Brasil Império, argumenta que durante o período da exploração colonial, nos ciclos do açúcar e do ouro, a política de arrecadação de tributos da metrópole era tão extorsiva que estimulava a corrupção. Com a vinda de D. João VI, em 1808, teria aportado ao País, também, um sistema de administração “caótico e acobertado por um regime absolutista que favorecia a corrupção”. A escritora também relata a influência da marquesa de Santos junto ao primeiro imperador, D. Pedro I, em nomeações políticas (jornal Estado de Minas).


O Brasil das Capitanias Hereditárias passou ao Brasil Império, o qual passou, por sua vez, ao Brasil Republicano, com sérias dificuldades e inenarrável sofrimento no que tange à democratização do ambiente institucional, mas, na perspectiva de longo prazo, com grandes avanços. Atualmente, o Brasil vive um sistema institucional no qual seus representantes políticos estão, conceitualmente, sujeitos à Constituição, a leis e a outras regras formais; é o chamado estado de direito, no âmbito do qual as normas são mandatárias.


Adicionalmente, a corrupção na política passou a ser abertamente tratada pela sociedade brasileira e nem sempre foi assim. Pouco se lê na mídia sobre corrupção empresarial, o que não significa que essa não seja relevante (nos EUA, o case Enron persiste na lembrança de muitos cidadãos norte-americanos, vários dos quais perderam as economias de suas vidas no processo de derrocada daquela corporação).


Em nosso País, ainda há muito trabalho a ser feito no que tange à efetiva punição de corruptos, especialmente daqueles com recursos para se defenderem judicialmente ad infinitum, existindo quem acredite que ausência de punição é uma trinca no estado de direito, que constrange a democracia e os cidadãos.


No aspecto econômico, corrupção em grande medida pode significar um estrago de proporções avassaladoras no crescimento da economia. Segundo estudo contratado pela Revista Exame (edição 847, 20/07/05) ao professor Marcos Fernandes, coordenador da escola de economia da Fundação Getúlio Vargas, se o Brasil conseguisse reduzir o seu nível de corrupção para um patamar igual ao dos Estados Unidos, poderia crescer a uma taxa anual de 6% ao ano.


Sob o prisma empresarial, propinas consumem recursos financeiros preciosos, que têm um custo elevado, e os quais poderiam ser direcionados para a atividade produtiva; as empresas poderiam crescer mais, ou distribuir mais proventos aos seus proprietários e empregados. Sob o prisma social, e sem perder de vista a crítica à robustez do estado de direito, a destinação de recursos empresariais para propinas impede que muitas pessoas tenham um futuro melhor, ou mesmo um futuro, exatamente por frear com grande força o crescimento e a distribuição da riqueza nacional.


Para os mercados de capitais, especialmente para os investidores pulverizados por esses mercados, a melhoria do ambiente de negócios das nações e o combate à corrupção são de grande interesse: investidores de todos os perfis terão apetite substancialmente maior pelo investimento em ações e por outros títulos emitidos por empresas, se elas operarem de maneira honesta e transparente. Nesse contexto, os governantes das companhias com ações em bolsa de valore podem dar uma contribuição de peso para a redução da corrupção.


De que forma?


Em nosso entendimento, a postura da empresa diante do tema corrupção é decidida, simplesmente, no ambiente de governança corporativa; no caso das companhias com ações em bolsa de valores, isso significa a esfera dos conselhos de administração.


Combater a corrupção na prática significa adotar verdadeiramente bons princípios éticos, bem como boas políticas e práticas de governança, focadas em relações éticas com públicos stakeholders. A interação e a comunicação empresarial com a sociedade, ao contemplarem formas éticas de lidar com os riscos provenientes da corrupção, podem prestar relevante serviço à nação.


Políticas de relacionamento com o governo (empresas podem optar por manter em dia suas obrigações fiscais), com partidos políticos e seus afiliados (contribuições a campanhas podem ser transparentes e formalmente comprovadas), com fornecedores (controles de compras e leilões via internet podem ser implantados) e com empregados (obrigações trabalhistas podem ser cumpridas; além disso, oportunidades de carreira e de repartição de lucros podem ser criadas) favorecerão o combate à corrupção.


Finalizando, processos decisórios efetivamente colegiados, envolvendo várias cabeças pensantes, podem reduzir fragilidades e os conselhos de administração verdadeiramente atuantes certamente farão diferença.



MMB - Publicado na Revista RI

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