sábado, 20 de março de 2010

4 - Governança corporativa: como ela pode afetar o custo de capital?

Fevereiro de 2008



A boa condução de uma empresa no nível de sua cúpula interessa a investidores proprietários e emprestadores, que se tornam mais confiantes nas potencialidades de uma empresa. Mas como eventuais benefícios de uma boa governança corporativa podem afetar o custo do dinheiro que financia os investimentos empresariais? Esta pergunta merece investigação e desenvolveremos aqui alguns raciocínios singelos, sem pretender, em nenhum momento, fechar o entendimento de uma questão que não nos parece simples e que, aliás, merece ser contemplada em mais de um artigo. As considerações em pauta emergem de nossa experiência profissional e acadêmica, com destaque para as proveitosas discussões filosóficas e técnicas sobre finanças corporativas e mercado de capitais que temos tido com o estimado amigo Antônio Carlos Vélez Braga, profissional de Relações com Investidores. Não pretendemos adentrar nas pesquisas acadêmicas feitas para tratar o assunto, não sendo essa a ambição deste artigo.



O custo de capital é a remuneração econômica mínima que indivíduos e organizações devem receber por colocarem seu capital em projetos de investimento; é o retorno mínimo a ser pago pelos projetos em questão a esses públicos. Pode-se falar em custo médio ponderado de capital (Weighted Average Cost of Capital - WACC), custo de capital próprio (Ke) e custo de capital de terceiros (Kd). O WACC é a média entre Ke e Kd ponderada pelas participações desses capitais no investimento a realizar. O custo Ke, por sua vez, é a remuneração que indivíduos e organizações deveriam obter se investissem em outra oportunidade alternativa, com riscos equivalentes aos riscos do projeto de investimento sob análise; tal retorno é denominado custo de oportunidade desses investidores. Em economias mais sofisticadas, Ke é estimado, por muitos especialistas, pelo Capital Asset Pricing Model - CAPM - modelo com elevado grau de intuitividade no qual optamos por embasar as presentes reflexões, sem deixar de reconhecer que outras abordagens são factíveis. Quanto ao custo Kd, é a remuneração dos recursos aportados por agentes dos mercados de crédito e de capitais ao projeto, os quais compõem a alavancagem financeira ou nível de endividamento do projeto. O valor de Kd é estimado com base na expectativa de taxa de juros esperada para a captação de recursos, levando-se em consideração as condições gerais da economia e as condições específicas do projeto que se considera e de quem empreende.




Retornemos ao custo de capital próprio Ke. Criado por Henry Markowitz e William Sharpe, o CAPM preconiza: Ke = Rf + RM . beta. Pontos de atenção: 1. Rf se refere ao retorno do ativo com menor risco disponível aos investidores no mercado financeiro (nos EUA, poderia se relacionar ao retorno de um título como o T-Bond); 2. RM corresponde ao prêmio médio acima da taxa livre de risco do conjunto dos projetos da economia (que pode ser aproximado ao prêmio médio pago acima da taxa livre de risco pelas ações de empresas em Bolsa de Valores); 3; o indicador beta constitui um medidor do risco de mercado do projeto sob análise (que pode ser aproximado ao beta de uma empresa em Bolsa de Valores com a qual o projeto se parece operacionalmente). O beta ajusta o valor de RM ao risco de mercado do projeto em questão. Se o beta do projeto for, por exemplo, igual a 1,0, isto significa que 1,0% de valorização ou de desvalorização do conjunto de projetos da economia correspondem, em média, à valorização ou desvalorização de 1,00% do projeto (lembrando que o valor de um projeto é o seu Valor Presente Líquido - VPL). Nesse caso, o projeto tem risco que equivale ao risco médio do conjunto de projetos da economia. Investidores globais (ou seus assessores, como analistas e profissionais de investimento) podem, ainda, adicionar um prêmio de risco país (Rc) à equação do CAPM, visando ajustar a maior o custo de capital próprio Ke (calculado, geralmente, com base em variáveis do mercado dos EUA, excetuando-se, eventualmente, o beta) às especificidades políticas e econômicas de cada país.



Em economias com bons fundamentos, o custo de capital de terceiros Kd é, necessariamente, menor do que o custo de capital próprio Ke, pois investidores emprestadores receberão seu dinheiro antes dos investidores proprietários, em caso de falência do projeto. Note-se que se o capital de terceiros provoca redução de imposto de renda a pagar - o que não seria o caso, por exemplo, de empresas que optam pelo regime de lucro presumido -, sua parcela no WACC deve ser adequadamente abatida dessa redução no imposto. Na expressão WACC = Ke . e + Kd . d . (1 - IR), a variável “e” representa a participação do capital próprio no investimento a ser feito, “d” a participação do capital de terceiros e “IR” a alíquota de imposto de renda a considerar, quando pertinente. Adicionalmente, o custo de capital WACC (ou Ke, conforme o caso) tem várias finalidades, além de avaliar a atratividade de um projeto de investimento. Permite calcular o valor de negócios e empresas (pois negócios e empresas podem ser vistos como conjuntos de projetos de investimento de mesma natureza, abrigados sob uma mesma gestão ou CGC). O WACC também permite estimar diversas variáveis, tais como o retorno sobre o capital investido (Return On Invested Capital – ROIC) e o lucro econômico entre várias outras. Ademais, presta-se à equalização de fluxos de caixa em transações comerciais. Exemplificando: um dado serviço pode ser pago por um cliente à vista ou em duas prestações idênticas, calculadas de modo que o seu valor presente seja equivalente ao de um pagamento à vista.



Políticas e práticas de governança corporativa afetam o custo meio ponderado de capital (WACC) de projetos e empresas? Cremos que sim: primeira e mais diretamente, via custo de capital de terceiros Kd.; faz grande sentido a hipótese de que os emprestadores de capital tendem a aportar recursos a taxas menores para projetos, empresas e empreendedores que demonstram boa capacidade de pagamento e grande respeito por quem financia - e isso inclui boa governança. Instituições financeiras e a agências de credit rating concordariam com esse ponto de vista? E quanto ao custo de capital próprio Ke? Não temos conhecimento de evidências sólidas que demonstrem que investidores mais qualificados e/ou seus assessores financeiros reduzam de forma sistemática Ke por má governança, criando redutores na equação do CAPM. Posto isso, acreditamos que, no modelo CAPM, os efeitos da governança se fazem sentir sobre o custo Ke preponderantemente por meio do famoso beta.



Sobre o beta: segundo o professor e especialista em finanças Aswath Damodaran (Applied corporate finance, 1999), tal indicador pode ser impactado por três fatores relevantes: 1. alavancagem financeira ou nível de endividamento; 2. alavancagem operacional ou relação entre custos fixos e custos totais - fixos e variáveis; 3. sensibilidade da receita aos ciclos econômicos (quanto menores essas variáveis, menor o beta). Pode-se argumentar: políticas consistentes de informação não poderiam reduzir assimetrias informacionais entre uma empresa e o mercado de capitais, reduzindo impactos nos preços das ações e, portanto, o beta? Em qualquer dessas alternativas, vislumbram-se potencialidades (no mínimo, a investigar) de influência dos conselhos de administração no custo de capital próprio via beta: primeiramente, por meio de políticas de financiamento e de prestação de informações responsáveis; em segundo lugar, via estratégia, especialmente nas empresas que operam em setores menos regulamentados e crendo que existam estratégias que possam melhorar a alavancagem operacional e tratar impactos indesejáveis de ciclos financeiros. Mas lembramos, finalizando, que boa governança, ao tornar mais barato o capital de terceiros, abre espaço, em certa medida - sob pressuposto da responsabilidade -, para maiores níveis de endividamento e, portanto, para menores valores de WACC, mesmo com majoração do beta; adicionalmente, estratégias são instrumentos precípuos de alcance da visão que os dirigentes construíram para suas empresas e, não, de redução de betas.





MMB - Publicado na Revista RI

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