sábado, 20 de março de 2010

2 - O que faltou ao Conselho de Jedi´s?

Outubro de 2007


Em um dos episódios da série de ficção Star Wars, do diretor de cinema George Lucas, o jovem Anakin Skywalker recebe uma incumbência do Conselho de Cavaleiros Jedi´s ao qual se reportava: vigiar um político sequioso de poder que viria a manipular o jovem jedi para se tornar, com sua ajuda, o líder de um império que ceifaria muitas vidas nos episódios seguintes da série. Anakin, por sua vez, se transforma no clássico vilão Darth Vader, e o Conselho de Jedi´s fracassa em seu intento. Há uma lição na história que possa ser útil aos conselhos de administração, incluindo os conselhos das empresas nacionais?


Muito esforço tem sido empenhado em discutir o papel dos conselhos (nem tanto assim no caso de conselhos similares em organizações que não sejam empresas, como as Organizações Não Governamentais, as ONG´s). John Pound, por exemplo, defendeu, no artigo The promise of the governed corporation (Harvard Business Review, 1995), que o papel do conselho é fomentar decisões eficazes e revogar políticas inadequadas. O conselho deve ter expertise em áreas diversas, como, por exemplo, no setor em que a empresa opera e finanças, ser bem remunerado, ter dedicação satisfatória e agregar valor ao processo decisório.


Já David A. Nadler, no artigo A construção de um conselho eficaz (HBR, edição especial, 2004), afirma que o segredo de uma boa governança corporativa reside nas relações de trabalho entre o conselho e a cúpula executiva, na dinâmica social da interação do conselho e na competência, integridade e envolvimento construtivo de cada conselheiro (HBR, 2004). No mesmo artigo, Nadler identifica cinco modelos de conselho, segundo uma escala que evolui de menor a maior envolvimento e para os quais são identificadas as características seguintes de forma resumida: 1. conselho passivo, o qual funciona segundo o arbítrio do presidente executivo; 2. conselho certificador, o qual meramente atesta aos acionistas que o presidente vem fazendo o que dele se espera; 3. conselho envolvido, que fornece idéias, opiniões e apoio aos administradores; 4. conselho interventor, o qual se envolve intensamente na tomada de decisões em torno de assuntos vitais; 5. conselho operativo, que toma decisões importantes que os administradores implementam, compensando a eventual falta de experiência da equipe executiva.


Uma terceira referência muito interessante são as idéias de Ram Charam que, em seu livro Boards that deliver (2002), aponta a existência de grandes dificuldades no relacionamento entre os conselhos e a administração de companhias norte-americanas, identificando três categorias de conselhos, correspondentes a três fases pelas quais eles passam em seu processo evolutivo: 1. o conselho ritualista, caracterizado por presidentes executivos poderosos, por reuniões de conselho sem diálogos produtivos, por fluxos de informações para o conselho controlado com rigor pela gerência executiva e por uma postura passiva do conselho, em geral, mero observador e aprovador formal de decisões já tomadas pelo presidente; 2. o conselho liberado, pautado por maior liberdade de conselheiros para expor seus pontos de vista; porém, por dificuldades de diálogo, que é fragmentado, permeado por assuntos irrelevantes, operacionais e raramente conduz a consenso, drenando a energia dos dirigentes; 3. o conselho progressista, qualificado por boa integração entre conselheiros e executivos, por diálogos produtivos, relevantes, para os quais se busca o consenso, por auto-avaliação produtiva dos conselheiros, por antecipação de executivos a necessidades do conselho e pelo aprendizado.


Após esse pano de fundo e entrando um pouco nas regras do jogo formais, cumpre lembrar o contexto de operação dos conselhos de administração no Brasil. A Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404, 15/12/76), preconiza como responsabilidades do conselho, entre outras (artigo 142): fixar a orientação dos negócios da companhia, eleger e destituir diretores e fixar-lhes as atribuições, fiscalizar a gestão, convocar a assembléia geral, manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria, manifestar-se previamente sobre atos e contratos; deliberar sobre a emissão de ações ou bônus de subscrição, autorizar a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias e obrigações de terceiros, bem como escolher e destituir auditores independentes. Várias dessas disposições devem ser tratadas à luz do Estatuto, nos termos da Lei.


A Lei Corporativa Nacional também estabelece deveres e responsabilidades de conselheiros, igualmente aplicáveis aos administradores e a outros públicos corporativos, tais como os deveres de diligência (artigo 153), de lealdade e de (artigo 155) e a obrigação de informar (artigo 157). Adicionalmente, a Lei das SA´s preconiza a responsabilidade dos dirigentes, os quais devem responder civilmente pelos prejuízos que causarem quando houver procedimentos culposos, dolosos ou violação da Lei ou do estatuto (artigo 158).


Um aspecto que não poderia deixar de ser citado, relativamente à atuação dos conselhos de administração no Brasil, é que os votos de conselheiros indicados pelos grupos de controle estão atrelados às disposições dos chamados acordos de acionistas, instrumentos contratuais que objetivam a estabilização das relações entre proprietários, principalmente nas organizações em que o controle corporativo é compartilhado (artigo 118). Tais acordos ficaram em evidência com as privatizações, mas, na realidade, existem em várias empresas de controle familiar. Há uma relação umbilical entre as decisões das companhias e as disposições dos acordos de acionistas que as governam, e tais instrumentos, mesmo reduzindo conflitos, limitam ou, no mínimo, têm potencial para limitar a independência dos conselhos.


Retornando à pergunta feita do título deste artigo, acreditamos que o jovem Anakin Skywalker recebeu uma missão para a qual não se encontrava preparado em termos de um amadurecimento psicológico que lhe permitisse vencer o desafio que se apresentava. E ao Conselho de Jedi´s talvez tenha faltado algo fundamental, nem sempre explicitado, mas que pode ser esperado de um conselho: sabedoria, atributo que pode não ser fácil de se alcançar, mas que os investidores podem apreciar naqueles que os representam no âmbito das empresas.


Existe algum modelo que sirva melhor à sabedoria dos conselhos, especialmente no Brasil? Não se pode esquecer que a realidade das organizações pode ser bem mais complexa e instigante do que pressupõem as expectativas mais racionais. Conselhos de administração (ou similares, em organizações que não sejam empresas, como as ONG´s) podem, por vezes, ter que atuar como o Conselho de Jedi´s da ficção de George Lucas, em que seus integrantes participam diretamente de batalhas campais contra inimigos prestes a derrotar as forças executivas formalmente instituídas. Mesmo assim, perseguir boas políticas e práticas de governança parece ser a coisa mais sábia a ser feita.



MMB - Publicada na Revista RI

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