sábado, 20 de março de 2010

26 - Como fazer a estratégia acontecer e ser compreendida?

Dezembro de 2009

Elaborar o planejamento estratégico de uma empresa é importante e pode ser emocionante e enriquecedor para quem participa dessa atividade, mas o planejamento em questão é apenas parte de um processo muito mais abrangente de governança e gestão da estratégia, que compreende uma série de desafios, sobre os quais provavelmente muitas organizações não têm consciência.

Em primeiro lugar, é preciso que a estratégia faça parte, verdadeiramente, da agenda dos dirigentes da organização, e quando falamos em dirigentes, referimo-nos aos conselhos de administração e às diretorias executivas. Em que medida essas instâncias estão envolvidas, de verdade, com a estratégia, na realidade prática do seu trabalho, indo além do que está estabelecido na legislação e nos estatutos sociais? O conselho de administração participa ativamente das discussões estratégicas, contribuindo de fato para sua construção, ou meramente respalda diretrizes apresentadas como receitas prontas pela diretoria? Quanto à diretoria, em que medida ela se dedica à estratégia ou ser torna refém de questões da gestão no dia-a-dia?

Segundo, grupos empresariais e entidades governamentais e não governamentais que coordenam várias unidades administrativas podem deter razoável conhecimento sobre as estratégias de cada um dos seus negócios e unidades, mas podem não ter a necessária clareza sobre a estratégia corporativa, ou seja, sobre as diretrizes que farão com que múltiplas unidades administrativas abrigadas sob uma coordenação única operem juntas de forma superior, melhor do que se fossem independentes. Qual é mesmo a estratégia corporativa, ou seja, o elo que une todos os negócios de um grupo empresarial?

Em terceiro lugar, e supondo razoavelmente respondidas e resolvidas as duas questões anteriormente levantadas, o mais comum é existir descasamento entre planejar, fazer acontecer e controlar o que está sendo feito. A execução da estratégia aprovada pelos dirigentes abrange o envolvimento de diferentes equipes, eventualmente, com pouca ou nenhuma interação entre si. Como deve ser criado o devido alinhamento entre planejamento, ação e controle? Como os conselhos de administração acompanharão o desenvolvimento da estratégia, assegurando que as diretrizes que aprovaram estão sendo cumpridas?

Nossa quarta reflexão é que, freqüentemente, ações de longo prazo são prejudicadas em prol de necessidades de curto prazo. É o clássico dilema entre o urgente e o importante. Executivos de uma organização podem ter belos planos estratégicos em mãos, ter ciência de que devem buscar novos mercados, criar novos produtos/serviços e/ou reposicionar produtos/serviços existentes, mas as necessidades do momento podem monopolizar suas agendas, deixando pouco tempo dedicado a construir o futuro. É fácil enredar-se nas questões prementes de sobreviver no curto prazo, matando os leões que se deve mesmo matar no dia-a-dia.

Uma quinta consideração aqui apresentada diz respeito à comunicação da estratégia. Como as diretrizes estratégicas são comunicadas na organização? Elas são algo que fica restrito apenas a um pequeno e privilegiado grupo de pessoas ou são comunicadas, com clareza, para os empregados, de maneira que cada um saiba qual é a direção geral do navio e qual é o seu papel na jornada?

Pelo lado dos agentes dos mercados financeiros e de capitais, entender com clareza as grandes linhas da estratégia de um grupo empresarial, visto de fora, é, também, uma necessidade e um desafio. Em seu livro Paixão por Vencer, Jack Welch, ex-CEO da General Electric, ao mencionar seus encontros com analistas e profissionais de investimento dos EUA, deixa transparecer incômodo com certa postura de desinteresse desses agentes nas discussões sobre estratégia: os profissionais citados estariam mais interessados em alimentar suas planilhas financeiras (o fluxo de caixa descontado) com números do que em entender a estratégia da organização. Naturalmente, deve-se contextualizar essa percepção, visto que há alguns anos o executivo não mais integra o quadro da GE.

Nos EUA de hoje e no Brasil de hoje, a lógica seria a mesma? Acreditamos que não, ao menos no caso do Brasil. Há algum tempo, fizemos uma análise criteriosa, na Associação dos Analistas e Profisssionais de Investimento do Mercado de Capitais Minas Gerais (APIMEC-MG), sobre perguntas realizadas por esses profissionais e investidores em reuniões de empresas com o mercado mineiro, ao longo de um certo período de tempo, cerca de seis meses. Além de anotar todas as perguntas feitas por escrito, presencialmente, e reprisar gravações feitas (as reuniões são gravadas), buscamos entender o que estaria efetivamente sendo perguntado. Verificamos que as perguntas sobre estratégia ocupam boa parte das preocupações dos agentes que comparecem a essas reuniões.

As considerações anteriores nos conduzem à seguinte pergunta, abrangendo tanto as organizações com ações em bolsa de valores quanto os agentes que as acompanham: como fazer a estratégia acontecer e ser compreendida por stakeholders internos, como os empregados, e externos, como analistas, profissionais de investimento e investidores?

Focalizando os públicos internos, acreditamos que as empresas podem estabelecer um processo formal de governança e gestão da estratégia, criando estruturas internas (comitê de estratégia, ligado ao conselho, e assessoria de gestão da estratégia, ligada à diretoria) responsáveis por atividades como: (1) assessorar as diretorias e os conselhos por meio de agendas estratégicas com eventos e discussões bem definidas, as quais resultem em diretrizes estratégicas claras e bem redigidas; (2) ajudar a diagnosticar oportunidades e ameaças no ambiente externo, assim como forças e fraquezas da organização; (3) desenvolver indicadores estratégicos internos, capazes de medir se as diretrizes estão sendo executadas no que concerne à estratégia corporativa e por negócio; (4) acompanhar os indicadores e apontar problemas, tendências e alternativas; (5) envolver todas as áreas-chave à consecução da estratégia, por meio dos indicadores relacionados com as mesmas; (6) buscar uma lógica de comunicação da estratégia condizente com a adequada compreensão pelas diversas categorias de empregados; e, (7) assessorar toda a organização no entendimento de todos os conceitos abrangidos. Custa, mas pode criar valor econômico.

No que tange aos públicos externos, entendemos que analistas e profissionais de investimento, como profissionais que são, devem adotar e desenvolver metodologias capazes de identificar claramente a estratégia, em suas grandes linhas, com indicacores qualitativos e quantitativos, tanto quanto possível. Devem dispor de ferramentas ou radares capazes de descrever a estratégia corporativa e por negócio de um grupo, sem esquecer a importantíssima questão da sustentabilidade nas vertentes econômica, social e ambiental, bem como assessorar adequadamente os investidores sobre suas análises e conclusões. Frequentemente, o que parece simples de entender nem sempre é fácil de implementar, mas deve ser buscado.

MMB - Publicado na Revista RI

25 - Ídolos corporativos ajudam a agregar valor?

Novembro de 2009


Há algum tempo, discutíamos com amigos a retrospectiva de eventos do ano de 2009, incluindo ocorridos com pessoas internacionalmente conhecidas, quando emergiram os nomes do cantor Michael Jackson e da atriz Farrah Fawcett; eles partiram de diferentes formas, tendo em comum o fato de terem sido - e ainda serem - ídolos e a data de falecimento, 25 de junho de 2009. O desaparecimento de Jackson do cenário artístico recebeu maior atenção da mídia, muito provavelmente em função do maior contingente de admiradores do artista, de múltiplas gerações em âmbito internacional.


Mundialmente conhecido como Rei do Pop (King of Pop), Michael Joseph Jackson nasceu em Gary, no Indiana, EUA, no dia 29 de agosto de 1958, tendo sido cantor, compositor, dançarino e produtor. Iniciou sua carreira aos onze anos, como vocalista do conjunto Jackson 5, integrado por ele e irmãos; a partir de 1971, optou pela carreira solo, sem deixar o grupo, o que ocorreu posteriormente. Foi o criador de grandes sucessos como as músicas Billie Jean, Beat It, Thriller, Black or White e Bad entre outras, inovando na consolidação do vídeoclip como parte inerente da apresentação de suas músicas via televisão.


Michael Jackson teve uma trajetória brilhante e, ao mesmo tempo, muito conturbada. Thriller foi álbum mais popular e vendido da história da música popular, o artista venceu seis prêmios Grammys com os Jackson 5 e 19 em sua carreira solo, tendo doado milhões de dólares, ao longo de sua carreira, a causas beneficentes. Ao mesmo tempo, ele passou por problemas de saúde, mudanças de aparência, acusações de abuso de crianças na justiça dos EUA, arquivadas por falta de provas, casamentos e descasamentos e nascimento/criação de filhos sob intensa observação do público; todos esses eventos originaram discussões ao redor do mundo. No dia 25 de junho de 2009, sofreu uma parada cardíaca em sua casa, na cidade de Los Angeles, Califórnia; em coma profundo, e levado às pressas para o hospital, não pode ser reanimado.


Mary Farrah Leni Fawcett nasceu no Texas, em 2 de fevereiro de 1947. Estudou microbiologia na Universidade do Textas. Tendo estreado na televisão em 1965 no famoso seriado Jeannie é um Gênio, passado também na TV brasileira, Farrah tornou-se internacionalmente conhecida quando estrelou, ao lado das atrizes Kate Jackson e Jaclyn Smith, o seriado As Panteras (Charlie´s Angels), em 1976, no papel da detetive Jill Munroe. Farrah Fawcet será, provavelmente, lembrada pelo público como a eterna Pantera.


Após o seriado, por meio do qual tornou-se modelo de ideal de beleza para milhões de mulheres ao redor do mundo, Farrah buscou seu caminho no cinema. Teve casamentos com atores famosos e um filho. Desde setembro de 2006, lutou contra o câncer, tendo passado por procedimento cirúrgico e sessões de quimioterapia. A atriz recebeu alta no final de 2007, quando parecia ter vencido a doença; posteriormente, o problema retornou e persistiu até a sua morte, no dia 25 de junho de 2009.


O Rei do Pop e a Pantera, no imaginário de milhões de pessoas, se foram, mas permanecem sendo ídolos, ou seja, pessoas que se tornam, por meio da admiração das demais, de forma espontânea e não religiosa, objeto de adoração e/ou devoção. Mas o que tudo isso tem a ver com o tema desse artigo?


Organizações podem criar o que aqui denominaremos ídolos corporativos. Conhecemos uma organização em que um de seus dirigentes, o qual ingressou na empresa como estagiário de engenharia e se aposentou como presidente executivo, era admirado ao ponto de ser imitado por vários outros no estilo, modo de falar e de se vestir. Tivemos a oportunidade de interagir profissionalmente com o executivo em questão e percebemos no mesmo qualidades como inteligência, liderança, carisma e comunicação de forma altamente empática com as demais pessoas. Afinal, ídolos corporativos ajudam a agregar valor?


Retornando aos exemplos de Michael Jackson e de Farrah Fawcett, e sem deixar de reconhecer que existem muitos outros ídolos em diversas searas e campos, acreditamos que as pessoas que se inspirarem em suas melhores qualidades, podem alcançar melhorias em suas vidas, tomando, naturalmente, cuidados quanto aos exageros. Afinal, algumas pessoas podem ter qualidades visíveis que as tornem especialmente admiradas e cuja disseminação pode ser positiva. Conhecemos uma pessoa que melhorou sua saúde e disposição, apenas por passar a dançar em casa, regularmente, grandes sucessos do Rei do Pop, tentando imitar o mesmo, além de Jorge Benjor, artista nacional com músicas irresistíveis. Conhecemos também outra pessoa que, inspirada por sua admiração pela Pantera, passou a cuidar melhor de sua aparência. Naturalmente, pode-se argumentar que não é preciso idolatrar para melhorar e é verdade, mas idolatria leve, aqui considerada como sinônima de admiração racionalizada, não parece fazer mal.


Ao mesmo tempo, a nós parece que a idolatria corporativa pode agregar alguns riscos, os quais podem ou não fazer sentido, conforme a organização específica que se considera, tais como:


1.Objetos idolatrados podem se tornar mais importantes do que a organização e seus objetivos. Quem é mais importante, a organização ou o presidente do seu conselho de administração? A organização ou seu presidente executivo?


2.Decisões empresariais podem ser menos eficazes. Quem ousará desafiar tecnicamente, ainda que de maneira fundamentada, aquele dirigente que todos admiram? Quem desafiará, por exemplo, o legendário e heróico fundador da empresa?


3.Qualidades de pessoas não idolatradas podem ser ignoradas, eventualmente cometendo-se injustiças na compensação por resultados, conforme o sistema de recompensas adotado. Aquele profissional mais discreto, mas que faz acontecer de maneira muito positiva para a empresa, será promovido? Ou será perdido para o mercado de trabalho?


4.Pessoas podem deixar de reconhecer em si mesmas suas próprias qualidades, perdendo contato com o seu potencial e reduzindo sua auto-estima. Por que aumentar a minha produtividade, se eu não consigo mesmo, pelo menos não do mesmo jeito que o senhor ou a senhora X conseguem?


Considerando agora o caso do conselho de administração, este é um órgão colegiado por natureza e essência. Todos os conselheiros, conceitualmente, devem ter o mesmo valor para o negócio. No caso dessa instância, posturas como respeito, admiração, cooperação e interação são válidas, mas idolatria não faz o menor sentido.


MMB - Publicada na Revista RI

24 - Como os bons exemplos de idealismo podem inspirar o governo das empresas?

Outubro de 2009


Wangari Maathai nasceu em 1940. Filha de fazendeiros, estudou fora do seu país, Quênia, graduando-se em biologia no Mount Saint Scholastica College, em Atchison, Kansas (1964). Fez mestrado nos EUA, na University of Pittsburg (1966). Retornando à África, passou a coordenar um departamento da Universidade de Nairóbi. Dirigiu a Faculdade de Medicina Veterinária, sendo a primeira mulher da África Central a obter um título de PhD na University of Nairobi (1971). Sua formação abrange, ainda, estudos na Alemanha.


Maathai serviu ao National Council of Women of Kenya (1976-87), tendo sido presidente do seu conselho (1981-87). Foi a pessoa responsável pela introdução do conceito de plantio de árvores por cidadãos comuns (1976). Em 1977, criou o Movimento Cinturão Verde. Em 2002, tornou-se ministra de governo do Quênia. Em 2006, o presidente da França, Jacques Chirac, agraciou a professora Wangari Maathai com a mais importante honraria da França: a Legião de Honra.


O Quênia de Wangari Maathai tem sofrido, historicamente, com a devastação de suas florestas, em função do uso intensivo da lenha, insumo energético importante, em função da infra-estrutura energética deficiente local, especialmente, nos meses de frio.



Primeira mulher africana a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, em 2004, Maathai coordenou o Movimento Cinturão Verde (www.greenbeltmovement.org), iniciativa com quatro objetivos básicos: (1) fortalecer e expandir-se no Quênia; (2) compartilhar seu programa com outros países da África e além desse continente; (3) conferir poder aos africanos, especialmente às mulheres e meninas, fomentando sua liderança e habilidades empresariais; e (4) defender, em âmbito internacional, o meio ambiente, a boa governança, a equidade e a paz.


O Cinturão Verde, ao efetivar o plantio de milhões de mudas de árvores no Quênia e em países vizinhos, mudou a rota de destruição ambiental nas áreas de sua abrangência, gerando, ao mesmo tempo, trabalho, renda e dignidade para famílias muito pobres. Segundo a mentora da iniciativa: “[...] quando plantamos árvores, plantamos também sementes de paz” (Mundo sustentável, André Trigeiro, 2005).


Consideremos, agora, o caso de Aimorés, cidade mineira próxima do Espírito Santo, localizada entre o rio Doce e a estrada de ferro Vitória-Minas. O município sofreu, ao longo do tempo, um processo de empobrecimento e de perda de população, decorrente de anos de exploração comercial de madeira, desmatamento generalizado e atividades agrícolas e pecuárias sem maiores preocupações quanto à sustentabilidade. A natureza local revela paisagens degradadas, como resultado desse processo.


Nesse contexto, emergiu o Instituto Terra, associação civil, sem fins lucrativos, fundada em 1999 por Lélia Deluiz Wanick Salgado e Sebastião Ribeiro Salgado Júnior, fotógrafos internacionalmente conhecidos. Localiza-se na Fazenda Bulcão, em Aimorés, que tem uma área de 676 hectares, reconhecida como Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) pela Portaria IEF/MG Nº 081, promulgada em 07 de outubro de 1998; esta é a primeira RPPN criada em uma área degradada.


O Instituto Terra já plantou mais de um milhão de árvores e seus fundadores manifestaram o desejo de plantar 50 milhões de árvores em toda a bacia do rio Doce. É factível ver o impacto desse trabalho na própria Fazenda Bulcão, que foi do pai de Sebastião: o córrego Bulcão, que nasce na propriedade e havia se tornado um filete, teve seu curso ampliado. O clima na fazenda mostra diferença em relação ao de Aimorés, o que é interessante, visto que a fazenda situa-se naquela cidade.


O Instituto tem buscado promover mudança cultural, pelas vias da educação e do exemplo. Tem um curso avançado permanente, de dois anos de duração, em regime de residência, de técnico agrícola ambiental; forma 10 alunos por turma, egressos da escola técnica agrícola e recebe 10 alunos, por promoção, da Universidade de Santa Fé, no Novo México, com a qual mantém convênio. A cada ano, alunos brasileiros e oriundos dos EUA ali aprendem como desenvolver a agricultura de forma ambientalmente correta.


A atuação do Instituto tem permitido injetar, por meio de vários projetos, dinheiro na economia do município de Aimorés, não só via empregos diretos de pessoas da região, mas também por outros caminhos. Como a entidade terceiriza atividades como alimentação, transporte e outras, ela cria oportunidades de trabalho para terceiros. Exemplificando: a alimentação de funcionários, estudantes, professores e visitantes é servida por restaurante local, licitado. Como resultado dessa forma de trabalhar, abriram-se em Aimorés novos restaurantes e novos hotéis, visto que há mais visitantes, que buscam o Instituto Terra. Um cinema do Instituto resultou da doação do governo de Astúrias e de Robin Williams e, nesse cinema, filmes como O Código Da Vinci, A Sociedade dos Poetas Mortos ou Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore, puderam ser vistos por vários cidadãos locais.


Eis a visão do Instituto Terra: “retornar a Mata Atlântica ao Vale do Rio Doce com toda a sua rica diversidade, estimular o desenvolvimento social eco-sustentável na região, visando tornar possível a vida no meio rural, através da recuperação, conservação e uso equilibrado do meio ambiente, evitando o êxodo e trazendo de volta os que foram obrigados a imigrar. Estabelecer o Instituto como um centro de excelência nas áreas de recuperação e educação ambiental, desenvolvimento sustentável e mobilização social” (www.institutoterra.com.br).


Muito bem, mas o que essas e outras iniciativas edificantes têm a ver com a governança das empresas?


Talvez esses exemplos inspirem a alta administração das empresas a adotarem, de forma séria – e não apenas para fins de marketing institucional - o conceito de sustentabilidade nas vertentes econômica, social e ambiental, perseguindo maior eficácia no uso dos recursos naturais, provocando menos degradação ambiental e, consequentemente, social e criando novos negócios. Lembramos, ainda, que a inteligência disponível no mundo também deve servir a outras causas, tão válidas e importantes quanto buscar rentabilizar os recursos dos investidores; nesse sentido, as empresas podem identificar as iniciativas consideradas compatíveis com a visão de mundo de seus administradores e apoiá-las. Com recursos financeiros? Pode ser que sim, mas também com inteligência; afinal, compartilhar a inteligência disponível no mundo também é ser responsável.



MMB - Publicado na Revista RI

23 - Em que prestar a atenção nas fusões e aquisições?

Setembro de 2009



Fusões e aquisições são um caminho importantíssimo, para não dizer imprescindível, para as empresas que desejam expandir-se rapidamente; ao mesmo tempo, não constituem um caminho fácil. Neste artigo, teceremos algumas considerações sobre o tema, partindo de um exemplo noticiado em âmbito internacional: a fusão da Hewlett-Packard (HP) com a Compaq, ocorrida há alguns anos. As considerações aqui apresentadas baseiam-se em informações colhidas via internet e jornais da época, podendo ser imperfeitas, bem como não refletir exatamente o que ocorreu; mesmo assim, correremos o risco de algumas reflexões que tomam esse case como ponto de partida, sem juízo de valor, até em função da incerteza informacional.



No ano de 2005, a saída da CEO da HP, Carleton Fiorina, ocupou considerável espaço na mídia. A sra. Fiorina teve sua saída determinada pelo conselho de administração da companhia, supostamente em função de forte questionamento à estratégia defendida pela executiva, tendo em vista que a fusão da empresa com a Compaq não alcançara os resultados prometidos até aquele momento. A CEO teria vivenciado, em sua administração, oposição ao seu projeto de fusão, inclusive por parte de Walter Hewlett, um dos fundadores da companhia. Analistas de mercado teriam manifestado dúvidas quanto ao sucesso do projeto e, mesmo com um breve período de elevação, em 2000, o preço das ações da HP sofreu forte queda ao longo da administração Fiorina. Tempos após sua saída da empresa, a ex-CEO escreveu um livro, denominado Escolhas difíceis, buscando, entre outros objetivos, trazer ao público o seu ponto de vista sobre o assunto.



Genericamente, tal episódio de demissão presumidamente baseado em uma estratégia de fusão de empresas que se revelou problemática, permite criar perguntas, tanto para os dirigentes das companhias com ações em bolsa de valores quanto para analistas e profissionais de investimento do mercado de capitais e neste breve artigo, apresentamos duas singelas questões: (1) Em um processo de fusão ou aquisição, o que confere aos dirigentes corporativos uma boa dose de confiança na criação de sinergia (2 + 2 = 5, sendo 1 o valor da sinergia)? (2) Como os analistas, profissionais de investimento e investidores dos mercados de ações podem avaliar as fusões e aquisições?



No que se refere à primeira questão, consideremos o seguinte: a reunião de empresas sob um mesmo contexto corporativo faz sentido quando existe forte chance de ampliação do negócio com sinergia: a Empresa “A”, que vale $ 100, adquire a Empresa “B”, que também vale R$ 100; a aquisição resultará em ganhos de receita e/ou redução de gastos totais de $ 20, o que significa que com a fusão, a nova Empresa “A+B” valerá $ 220. A sinergia criada na operação corresponde, portanto, a $ 20 e juntas, as Empresas “A”e “B” têm forte chance de valerem mais do que separadas. Esta é a lógica.



Se o conceito de sinergia não apresenta maior dificuldade, na realidade prática das organizações, não é fácil assegurar a criação de sinergia em fusões e aquisições, por diversos motivos, entre os quais, citamos aqui as dificuldades de operacionalizar as melhores intenções e o choque de culturas entre organizações distintas. Assim, dirigentes corporativos, ao tomarem decisões sobre fusões e aquisições, necessitam se debruçar com olhar muito crítico sobre as efetivas potencialidades de criação de sinergias, buscando diagnósticos realistas e sem “achismos” sobre o que é realmente é possível de ser alcançado nos próximos anos. Esse tipo de diagnóstico é imprescindível, a nosso ver, às decisões dos conselhos de administração.



Ponto de atenção: fusões e aquisições envolvem estudos detalhados, competências distintivas, exigindo frequentemente a contratação de talentos externos, além de grandes esforços corporativos; ao mesmo tempo, estudos laboriosos também podem incorrer em grandes erros. Gostaríamos, neste ponto, de fazer uma breve digressão para citar o interessantíssimo livro Blink – a decisão num piscar de olhos, de autoria do professor Malcom Gladwell, por meio do qual o autor discorre sobre tomadas de decisões rápidas e eficazes. O professor ilustra, por meio de vários exemplos, que as impressões intuitivas obtidas em poucos segundos podem ser tão ou mais valiosas do que as decisões maturadas ao longo de meses de estudo. Será improdutivo, então, estudar bastante um assunto, como uma fusão ou aquisição, antes que seja tomada uma importante decisão sobre ele? Não é essa a mensagem do livro de Malcom Gladwell, até porque o próprio autor é um pesquisador e pesquisas frequentemente demandam tempo para serem trabalhadas e bem compreendidas.



No início do livro, o autor descreve um primeiro exemplo, que se inicia por volta de 1983: o da estátua kouros, adquirida pelo museu J. Paul Getty, da Califórnia. Durante 14 meses, antes de sua aquisição, a estátua foi investigada por especialistas, tendo os estudos técnicos concluído pela sua autenticidade.; entretanto, havia algo errado com a kouros. Federico Zeri, historiador de arte e membro do conselho de curadores do museu, foi o primeiro a identificar o problema, a partir de exame visual das unhas da estátua; após ele, outros especialistas tiveram insights baseados em outras variáveis além das unhas, que culminaram com um amplo debate sobre a autenticidade da kouros, a qual, aliás, não era autêntica. Malcolm Gladwell demonstra a importância de as decisões serem tomadas com base nas variáveis realmente relevantes para a eficácia das decisões, lembrando que, nem sempre, os processos racionais de tomada de decisões são construídos para captar as informações realmente relevantes.



Assim sendo, os estudos sobre fusões e aquisições necessitam criar e responder consistentemente a perguntas claras, que captem variáveis relevantes de decisão sobre a operação considerada, citando-se aqui algumas: (1) quais são as fontes potenciais de sinergias que essa operação oferece? (2) quais são as dificuldades que essa operação oferece, criando riscos reais à obtenção das sinergias citadas? (3) realisticamente, quais sinergias têm forte chance de serem alcançadas nos próximos X anos, levando em consideração as dificuldades a serem enfrentadas? Dito de outra forma: quais novas receitas e gastos evitados poderão ser alcançados até o final do prazo X, sem que os dados sejam forçados para agradar a grupos de poder? Aqui, é importante definir um prazo, dadas as dificuldades operacionais e as necessidades de ajustamentos culturais.



E quanto aos analistas e profissionais de investimento dos mercados de ações, como eles podem avaliar as fusões e aquisições? Em uma breve passagem de Blink, Malcolm Gladwell descreve o encontro entre membros das forças armadas e profissionais de investimento do mercado de capitais dos EUA, os quais se sentiram confortáveis uns com os outros, possivelmente por partilharem a necessidade eventual de tomarem decisões rápidas e baseadas em bons julgamentos. Rápidas, no caso de fusões e aquisições? Não necessariamente, ao menos na visão fundamentalista dos profissionais mais criteriosos, visto que, além de projetarem o fluxo de caixa descontado com base nas informações prestadas pelas empresas, eles incluirão em sua análise, de alguma forma, variáveis como transparência informacional e coerência percebida entre discurso e prática.


MMB - Publicado na Revista RI

22 - É possível planejar o futuro com eficácia?

Agosto de 2009


Qual é a importância do futuro, no contexto microeconômico das empresas, especialmente daquelas com ações em bolsa de valores, e dos mercados de capitais?


Projetar o futuro é parte essencial do cotidiano dos agentes que atuam nos ambientes empresas e mercados. O valor econômico de uma empresa reside no seu futuro, refletido no fluxo de caixa descontado, lembrando que esse fluxo depende das diferenças entre as projeções de receitas e gastos estimados, assim como do custo de capital esperado. Ainda que os focos de projeção sejam diferentes e fortemente impactados, no caso dos agentes do mercado, pela assimetria informacional, é do futuro projetado nas planilhas eletrônicas que emerge o valor econômico empresarial percebido por um agente econômico.


No caso específico das empresas, projetar o futuro significa planejar. Em seu livro Administrando em tempos de grandes mudanças, de 1997, o professor Peter Drucker, famoso pela grande influência exercida sobre a atuação concreta de inúmeros dirigentes empresariais ao redor do mundo, apresenta um ensaio sobre o planejamento para a incerteza. Segundo ele, os planejadores, ao raciocinarem em bases tradicionais, costumam perguntar: o que é mais provável que aconteça? Entretanto, a pergunta certa a ser feita seria outra: o que já aconteceu que criará o futuro?


Peter Drucker prossegue, complementando a pergunta essencial acima com outras, que devem, em seu entendimento, constar na agenda dos planejadores:


1.O que os fatos consumados significam para o negócio?


2.Que oportunidades eles criam?


3.O que ameaçam?


4.Quais mudanças eles exigem na estrutura, metas, serviços e políticas?


5.Quais mudanças eles tornam possíveis e vantajosas?


Drucker exemplifica seu pensamento citando os japoneses, que perceberam e exploraram a tendência de gastos com produtos eletrônicos de entretenimento – rádio, televisão, audiocassetes, videocassetes e outros -, após a Segunda Guerra Mundial, ganhando muito dinheiro em função dessa percepção adiantada em relação aos concorrentes.


Um questionamento apresentado pelo autor no ensaio supracitado diz respeito às pessoas ditas idosas, admitindo-se aqui que tal conceito tem se tornado a cada dia que passa mais fluido, em vista da melhor saúde e aumento do tempo estimado de vida das pessoas outrora assim referenciadas. Será que as pessoas idosas não poupam? Isso é mesmo verdade?


O cerne das ponderações de Drucker no ensaio em questão é: planejar para a incerteza exige fazer uma leitura crítica do passado e do presente para entender a partir de quais fatos já consumados ou a caminho da consumação podem ser identificadas forças e fraquezas e criadas novas oportunidades. Esta é uma das melhores pérolas legadas ao mundo por Peter Drucker.


Mas planejamento do futuro, em linhas gerais, com base na formulação de perguntas certas é a primeira parte da história; a segunda contempla o planejamento fino, detalhado, do que fazer, com vistas à implementação bem sucedida e com minimização de riscos. Nesse sentido, Mar sem Fim, livro do navegador brasileiro Amyr Klink, lançado em 2000, poderia fazer parte da biblioteca de pessoas que desejam implementar desafios. O livro narra a viagem de circunavegação do famoso navegador brasileiro à Antártica, realizada no barco Paratii, descrevendo a viagem iniciada em 31 de outubro de 1998 e concluída cinco meses depois. O que Mar sem fim tem a ver com tema deste breve artigo?


Consideremos, inicialmente, a descrição da própria viagem. Como exemplos que demonstram a riqueza dessa experiência de Amyr Klink, podem ser citadas as paradas na Geórgia do Sul, na baía Dorian e na Estação Comandante Ferraz, além da conturbada travessia em direção à misteriosa ilha de Bouvetoya, a mais isolada do planeta. O livro é pontuado por momentos de grande - para não dizer extrema - tensão e trabalho, de enfrentamento de condições consideravelmente adversas e, também, por instantes de repouso e apreciação da natureza que somente podem ser vivenciados, segundo o autor, no continente antártico.


Em segundo lugar, desponta a preparação da empreitada: Amyr Klink é um planejador detalhado, além de ótimo gestor de riscos. Em Mar sem fim (e de resto, em outros livros do autor), tais atributos sempre emergem. Suas viagens passam por uma preparação severa, com grande riqueza de detalhes; afinal, o navegador somente pode contar consigo mesmo e com os recursos que tiver à mão quando em alto mar. Klink acumulou uma experiência prática tal que lhe permite adotar inovações tecnológicas com relativa tranqüilidade, conforme ilustra o exemplo da escolha do mastro do Paratii: uma peça branca, rotativa e “simples como um coqueiro, apoiada sobre uma moeda norueguesa de um obre”.


Mar sem Fim ainda enseja reflexões sobre aspectos como a coragem de navegadores do quilate de James Cook, que se tornou o primeiro a circunavegar a Antártica, vencendo mares bravios e o escorbuto, doença típica dos navios da época (1772-1775); Cook e muitos outros navegadores, alguns dos quais não sobreviveram às suas respectivas viagens, enfrentaram desafios complexos para o seu tempo.


Dadas essas singelas considerações, retornamos à pergunta inicial deste artigo: é possível planejar o futuro com eficácia? Acreditamos que sim, certamente, de forma ampla e de forma muito detalhada, tendo em mente que o passado é alicerce do futuro, mas que o futuro, afinal de contas, é sempre o futuro.


Lembramos, ainda, que aos dirigentes distantes do dia-a-dia das operações empresariais, como os conselheiros de administração, a monitoração do planejamento traçado é fundamental, razão pela qual esses profissionais necessitam contar com instrumentos, radares e bússolas corporativas, capazes de sinalizar se o navio empresarial navega efetivamente rumo aos objetivos estratégicos traçados; este seria um bom assunto para um futuro artigo.



MMB - Pbulicado na Revista RI

21 - Governança pode ajudar no combate à corrupção?

Julho de 2009


A corrupção não é privativa de alguns países; existe ao redor do mundo e em muitas esferas, nos vários setores das diversas economias. O que diferencia as nações no que se refere ao tema corrupção? Acreditamos, supondo que esse raciocínio também se aplique ao Brasil, que três aspectos principais favoreçam ou estimulem a corrupção nos países do mundo moderno:


1. a atitude das pessoas e, portanto, das sociedades em relação à corrupção, com maior ou menor nível de tolerância;


2. os mecanismos criados pelas sociedades para lidar com o fenômeno, com maior ou menor nível de punição efetiva de corruptos;


3. o nível de burocracia “inutilmente complexa” das organizações, especialmente das organizações do Estado. Não estamos aqui discutindo ideologicamente a questão do tamanho do Estado, mas meramente mencionando sua forma de operar.


Os três aspectos citados podem estar visceralmente entrelaçados.


O Brasil tem convivido com a corrupção desde os primórdios de sua história. O autor do livro A história do Brasil pelo método confuso, Mendes Fradique, diz, acerca do período da descoberta do País: “... O comércio mais ativo era o de princípios, de opiniões, de votos, de caráter e até o da alma. Toda a gente era negociante. Dizem alguns paleontologistas que até a justiça tinha uma venda” (jornal Estado de Minas, 2005).


Já a cientista política e escritora Isabel Lustosa, que escreveu livros sobre a corrupção no Brasil Império, argumenta que durante o período da exploração colonial, nos ciclos do açúcar e do ouro, a política de arrecadação de tributos da metrópole era tão extorsiva que estimulava a corrupção. Com a vinda de D. João VI, em 1808, teria aportado ao País, também, um sistema de administração “caótico e acobertado por um regime absolutista que favorecia a corrupção”. A escritora também relata a influência da marquesa de Santos junto ao primeiro imperador, D. Pedro I, em nomeações políticas (jornal Estado de Minas).


O Brasil das Capitanias Hereditárias passou ao Brasil Império, o qual passou, por sua vez, ao Brasil Republicano, com sérias dificuldades e inenarrável sofrimento no que tange à democratização do ambiente institucional, mas, na perspectiva de longo prazo, com grandes avanços. Atualmente, o Brasil vive um sistema institucional no qual seus representantes políticos estão, conceitualmente, sujeitos à Constituição, a leis e a outras regras formais; é o chamado estado de direito, no âmbito do qual as normas são mandatárias.


Adicionalmente, a corrupção na política passou a ser abertamente tratada pela sociedade brasileira e nem sempre foi assim. Pouco se lê na mídia sobre corrupção empresarial, o que não significa que essa não seja relevante (nos EUA, o case Enron persiste na lembrança de muitos cidadãos norte-americanos, vários dos quais perderam as economias de suas vidas no processo de derrocada daquela corporação).


Em nosso País, ainda há muito trabalho a ser feito no que tange à efetiva punição de corruptos, especialmente daqueles com recursos para se defenderem judicialmente ad infinitum, existindo quem acredite que ausência de punição é uma trinca no estado de direito, que constrange a democracia e os cidadãos.


No aspecto econômico, corrupção em grande medida pode significar um estrago de proporções avassaladoras no crescimento da economia. Segundo estudo contratado pela Revista Exame (edição 847, 20/07/05) ao professor Marcos Fernandes, coordenador da escola de economia da Fundação Getúlio Vargas, se o Brasil conseguisse reduzir o seu nível de corrupção para um patamar igual ao dos Estados Unidos, poderia crescer a uma taxa anual de 6% ao ano.


Sob o prisma empresarial, propinas consumem recursos financeiros preciosos, que têm um custo elevado, e os quais poderiam ser direcionados para a atividade produtiva; as empresas poderiam crescer mais, ou distribuir mais proventos aos seus proprietários e empregados. Sob o prisma social, e sem perder de vista a crítica à robustez do estado de direito, a destinação de recursos empresariais para propinas impede que muitas pessoas tenham um futuro melhor, ou mesmo um futuro, exatamente por frear com grande força o crescimento e a distribuição da riqueza nacional.


Para os mercados de capitais, especialmente para os investidores pulverizados por esses mercados, a melhoria do ambiente de negócios das nações e o combate à corrupção são de grande interesse: investidores de todos os perfis terão apetite substancialmente maior pelo investimento em ações e por outros títulos emitidos por empresas, se elas operarem de maneira honesta e transparente. Nesse contexto, os governantes das companhias com ações em bolsa de valore podem dar uma contribuição de peso para a redução da corrupção.


De que forma?


Em nosso entendimento, a postura da empresa diante do tema corrupção é decidida, simplesmente, no ambiente de governança corporativa; no caso das companhias com ações em bolsa de valores, isso significa a esfera dos conselhos de administração.


Combater a corrupção na prática significa adotar verdadeiramente bons princípios éticos, bem como boas políticas e práticas de governança, focadas em relações éticas com públicos stakeholders. A interação e a comunicação empresarial com a sociedade, ao contemplarem formas éticas de lidar com os riscos provenientes da corrupção, podem prestar relevante serviço à nação.


Políticas de relacionamento com o governo (empresas podem optar por manter em dia suas obrigações fiscais), com partidos políticos e seus afiliados (contribuições a campanhas podem ser transparentes e formalmente comprovadas), com fornecedores (controles de compras e leilões via internet podem ser implantados) e com empregados (obrigações trabalhistas podem ser cumpridas; além disso, oportunidades de carreira e de repartição de lucros podem ser criadas) favorecerão o combate à corrupção.


Finalizando, processos decisórios efetivamente colegiados, envolvendo várias cabeças pensantes, podem reduzir fragilidades e os conselhos de administração verdadeiramente atuantes certamente farão diferença.



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20 - Quais virtudes não podem faltar nas empresas familiares em crescimento?

Junho de 2009



As empresas familiares são muito importantes para a economia nacional e para a geração de riqueza, renda e trabalho. Ao mesmo tempo, essas organizações operam dentro de um contexto cultural formado durante séculos e práticas das Capitanias Hereditárias e do Brasil Imperial ainda se mantêm presentes em várias delas. A empresa familiar com ações em bolsa de valores convive, mais especificamente, com um conflito existencial: por um lado, ela deve ser governada observando requisitos impostos pela legislação, regulamentação e auto-regulação que regem o mercado de capitais; por outro lado, vislumbra-se a posição das famílias controladoras enquanto acionistas majoritárias, com hegemonia sobre o sistema de decisões e com o desafio da tomada de decisões.


Pesquisadores têm se empenhado em entender a empresa familiar, entre os quais destacamos Kelin Gersick e seu grupo de pesquisas, que desenvolveram, no livro De geração para geração: ciclos de vida das empresas familiares (1997), o sistema segundo o qual essa modalidade de empresa se compõe de três subsistemas independentes com certa interpenetração: empresa (gestão), família e propriedade. John Davis, co-autor do sistema citado, menciona a incorporação da dimensão tempo no artigo Uma radiografia da relação empresa + família + propriedade. (2003), já que: 1. a empresa é lançada, expande-se e alcança a maturidade; 2. a família passa pelas etapas de formação organizacional, entrada dos descendentes do fundador, trabalho conjunto e transferência de comando para gestores profissionais; 3. a propriedade passa pelas etapas do proprietário controlador (fundador), sociedade de irmãos (segunda geração) e consórcio de primos (terceira geração). Gersick e seu grupo observam, no artigo Como gerenciar as transições (2003), que os momentos mais desafiadores das empresas familiares são os de transição de cada um dos três subsistemas; nesses pontos de inflexão, são feitas escolhas que modelarão o futuro organizacional e tais momentos se caracterizam pela necessidade das escolhas e pelas elevadas incertezas associadas às mesmas.


Existem exemplos de empresas familiares bem sucedidas no mercado de capitais nacional, as quais buscaram o caminho da profissionalização. Poderíamos comentar algumas no presente artigo, mas optamos por dedicar algumas linhas não a uma empresa, mas a um empresário brasileiro: Ricardo Semler. Autor, há alguns anos, do bem sucedido livro Virando a própria mesa entre outros, Semler publicou em 2006 um novo livro provocador e interessante para quem acredita que as empresas familiares podem mudar sua cultura, com substancial agregação de valor ao patrimônio familiar: Você está louco!: uma vida administrada de outra forma. Se não fosse pelas passagens que mencionaremos abaixo, o livro em questão já valeria a pena pelo fato de relatar a organização do Festival de Woodstock, clássico evento dos anos sessenta que teve lugar nos EUA e que perdurará na lembrança de muitos participantes. O relato é feito na perspectiva de uma pessoa privilegiada em termos informacionais, visto que um dos organizadores do festival é parente de Semler; entretanto, investidores e profissionais de investimento encontrarão em Você está louco vários trechos que poderão despertar seu interesse profissional. O primeiro diz respeito à pioneira experiência empresarial do autor e de alguns colegas na cantina do colégio onde estudavam: parte dos lucros gerados foram aplicados no mercado de ações pelos jovens empreendedores - na verdade, adolescentes -, com retumbante sucesso


Imperdível é a descrição vívida do embate de governança típico da empresa familiar: aos vinte e dois anos, diante da resistência paterna à sua assunção do negócio, Semler, mesmo participando ativamente da Semco, empresa de sua família, decidiu partir para uma experiência empresarial própria, sem praticamente gastar dinheiro com isso. Essa atitude desenvolta, inclusive quanto aos meios altamente profissionais empregados pelo autor, descritos no livro, contrasta com a apatia que pode dominar herdeiros de empresas e teve desdobramentos, entre os quais destacamos a assunção do comando da empresa pelo jovem Semler, mesmo com os receios de seu pai quanto às potencialidades do jovem potencial empreendedor.


Mas Você está louco tem mais. Em um Brasil dos anos oitenta, em que diversas empresas se abrigavam sob as asas benfazejas do Estado brasileiro, antes de uma abertura que viria a destruir muitos empreendimentos (fortalecendo, em contrapartida, outros tantos), Semler e seus executivos perceberam o risco dessa estratégia e foram a campo, inclusive fora do Brasil, buscar novos negócios, produzir crescimento com agregação de valor. A administração Semler mutiplicou o patrimônio familiar, por meio de aquisições bem feitas e de modelos de gestão mais participativos e com maior envolvimento dos empregados e de seus representantes sindicais. Experimentador organizacional, o empresário pôs em cheque modos de pensar tradicionais, flexibilizando processos produtivos e inaugurando relações sindicais em bases inovadoras; isso em um ambiente em que sindicalistas eram, freqüentemente, recepcionados com agressões físicas por parte de empregadores, com auxílio do aparato do Estado.


Você está louco também tem passagens divertidas, como por exemplo quando o autor descreve o seu período de trabalho na Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), desde o seu ingresso na “ala infantil” da Entidade (expressão cunhada pelo para se referir a si mesmo e a outros empresários igualmente muito jovens, já que a “ala jovem” teria mais de cinqüenta anos), passando pela sua caracterização como “vermelho” por alguns opositores e culminando na forma não ortodoxa como gerenciou os empregados sob sua responsabilidade na Federação. Enfim, com livros publicados em mais de 30 idiomas e em muitos países, Ricardo Semler é sucesso, inclusive em meios acadêmicos sisudos ao redor do mundo. Quanto ao livro Você está louco!: uma vida administrada de outra forma, além de ter um título provocante, trata-se do depoimento de um empresário, que pode ter várias características, menos ser louco, no sentido negativo mais comumente atribuído a essa palavra.


Qual poderia ser a possível contribuição do livro acima citado para uma reflexão sobre o desenvolvimento e a longevidade de empresas familiares? Quais ingredientes parecem relevantes às empresas dessa natureza que perseguem o crescimento?


Acreditamos que o estudo de caso Semler apresenta um mix interessante de empreendedorismo (o empresário nos parece ser um empreendedor nato), estratégia (a percepção do futuro que esperava a empresa familiar se mudanças radicais não fossem feitas, assim como o tratamento do capital humano e dos processos atestam essa premissa) e profissionalismo (o empresário denota responsabilidade e foco na execução da estratégia). Acreditamos, ainda, que esse triângulo de virtudes, também aplicável às empresas não familiares e a ser complementado por políticas e práticas de governança formais adotadas, ainda que não exaustivo, seja muito relevante para as empresas familiares cujos dirigentes busquem crescimento com criação de valor.



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19 - Como a cultura do País afeta o governo das empresas?

Maio de 2009


Como a herança cultural brasileira, ou seja, nossa cultura impacta a realidade das sociedades por ações nacionais e sua governança? Acreditamos que a resposta a essa pergunta seja abrangente ao ponto de poder ser estendida, com ajustes, a outras empresas brasileiras com características distintas dessas sociedades. Para ilustrar o ponto, faremos, preliminarmente, breve referência ao pensamento de um importante intelectual brasileiro: o professor Darcy Ribeiro. Nascido em Montes Claros, Minas Gerais, ele foi antropólogo, ensaísta, romancista e político; entre seus livros, destacam-se: Os índios e a civilização (1970), O processo civilizatório (1968), Maíra (1976), Utopia selvagem (1982), Migo (1988), Diários índios (1996) e Confissões (1997). Entretanto, o maior desafio intelectual de Darcy Ribeiro pode ter sido escrever o livro O povo brasileiro (1995). Quando retornou ao Brasil do exílio, Ribeiro pretendia responder a uma pergunta: por que o Brasil ainda não deu certo? Com essa indagação em mente, concebeu um livro sobre a formação do povo brasileiro e as configurações que ele foi adquirindo ao longo do tempo. O arrojado projeto levou anos para ser finalizado, o que ocorreu ao final da vida do autor, vitimado por câncer.


O povo brasileiro inicia-se nos primórdios da descoberta do Brasil, com a chegada dos portugueses em uma terra habitada por povos indígenas. O livro passa pela colonização portuguesa, coordenada a partir de Lisboa durante longo tempo, mostrando o intenso sofrimento desse processo para índios, negros e seus descendentes; poucas portuguesas vieram de Portugal, o que significa que as primeiras mães do povo brasileiro foram de outras etnias(lembrando que poucas portuguesas vieram de Portugal, sendo ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos". O livro aborda a formação do povo e de suas elites, inicialmente, portuguesas, depois luso-brasileiras e, finalmente, brasileiras. Ao mesmo tempo em que demonstra que o Brasil trilhou o caminho da integração cultural entre as várias etnias e da formação de um povo-nação, Ribeiro apresenta sua visão de exacerbado distanciamento social entre “as classes dominantes e as subordinadas, e entre estas e as oprimidas, agravando as oposições para acumular, debaixo da uniformidade étnico cultural e da unidade nacional, tensões dissociativas de caráter traumático”. Ele argumenta que os brasileiros “raramente percebem os profundos abismos sociais que aqui separam os estratos sociais. O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô-lo, por que se cristalizam num modus vivendi que aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos”. Ao mesmo tempo, Ribeiro demonstra acreditar no futuro, ao dizer que “na verdade das coisas, o que somos é a nova Roma. Uma Roma tardia e tropical. O Brasil é a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa sê-lo agora no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer uma potência econômica, de progresso auto-sustentado”.


O que O povo brasileiro tem a ver com a governança das empresas nacionais? Longe de esgotar as questões inerentes ao desenvolvimento do Brasil (tarefa, de resto, impossível a um único livro, por melhor que esse seja), a obra ajuda a compreender uma série de aspectos culturais relacionados com as empresas em nosso País e com seu governo corporativo. A tradição latifundiária e escravocrata nacional, iniciada com as Capitanias Hereditárias por volta de 1530, ainda hoje parece presente em nossa sociedade, o que tem implicações em aspectos como a grande concentração do capital em mãos de poucos, a dificuldade em dividir a propriedade e o poder de decidir, o apego a privilégios e a dificuldade de modificações formais que venham a favorecer mudanças sociais mais profundas. Como esses aspectos se materializam em características organizacionais relevantes? De várias formas; consideremos, por exemplo, a concentração de propriedade nas sociedades por ações, apontada por vários pesquisadores e diversas estatísticas; cremos que ela reflete a ausência de dilema entre deter um pequeno percentual da propriedade de uma grande empresa ou um percentual elevado da propriedade de uma empresa menor. A nós, parece incontestável que muitos empresários brasileiros (possivelmente, a maioria) preferirão a segunda alternativa.


Consideremos também o uso de ações sem direito a voto. A Lei das Sociedades Anônimas (n. 6.404, 15/12/76) estabelece a distinção entre ações ordinárias (dão direito a voto) e preferenciais (dão direito a determinadas preferências) e tal distinção constitui o principal mecanismo de separação entre propriedade e controle nas sociedades por ações, conforme observam Ricardo Leal e Sílvia Mourthé Valadares, no artigo Ownership and control structure of braziliam companies (2002). Antes das modificações introduzidas pela Lei n. 10.303 (31/10/01), ações ordinárias poderiam representar 1/3 do capital social; portanto, com apenas 16,7% do capital total (50% do capital votante + 1 ação), seria possível controlar uma companhia. Com a reforma legal, o limite de ações ordinárias foi ampliado para 50% (artigo 15), mas apenas para as novas aberturas de capital (Lei n. 10.303, artigo 8o). No Brasil, a elevada concentração acionária, associada ao uso intensivo de ações sem direito a voto, cria a supremacia dos acionistas controladores ou majoritários. O esquema é o oposto do modelo de propriedade distribuída, atribuído, em geral, aos mercados anglo-saxões.


Façamos, adicionalmente, uma breve reflexão sobre os conselhos de administração das sociedades por ações. No Brasil, a supremacia dos acionistas controladores ou majoritários citada acima conduz à seguinte realidade: o funcionamento dos conselhos, que tem a possibilidade priorizar o aproveitamento da experiência e qualificação dos seus integrantes, dependerá, em boa medida, da visão do controlador a respeito de como o conselho deve funcionar; se o controlador não permitir que o conselho opere de maneira eficaz, isso muito possivelmente não ocorrerá. Adicionalmente, acreditamos que os resultados da pesquisa Panorama atual da governança corporativa no Brasil, realizada pelo IBGC e BOOZ ALLEN em 2003, ainda se aplicam aos conselhos de muitas companhias: pequena distinção entre funções de conselho e funções de diretoria (especialmente nas empresas familiares), presença insatisfatória de conselheiros independentes e profissionais, remuneração de conselheiros relegada a segundo plano e informalidade.


Dadas essas considerações, o que dizer sobre o futuro das nossas sociedades por ações? Iniciado na prática por imigrantes europeus, especialmente no início do século XX, o capitalismo nacional tem evoluído, com problemas, mas tem evoluído. A estabilização econômica alcançada nos últimos, sem dúvida, é uma conquista do Brasil, e as sociedades por ações nacionais são beneficiárias, em primeira mão, desse ambiente mais estável. Além disso, é mister lembrar a evolução das regras legais, especialmente da Lei das Sociedades Anônimas, e da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Ponto de destaque tem sido a auto-regulação do mercado de capitais nacional, os Níveis Diferenciados de Governança Corporativa da BM&FBovespa - o Novo Mercado e os Níveis 1 e 2. Além desses avanços, outros também têm sido relevantes, entre os quais destacamos a introjeção crescente, pelas empresas, dos conceitos de ética e de sustentabilidade nas vertentes econômica, social e ambiental. Vale lembrar que a indesejável crise financeira global, no fundo, uma crise de governança, necessariamente tornará os legisladores, os regulamentadores e as empresas mais cuidadosas com seus riscos. Finalizando, a cultura, correspondente às regras do jogo informais de nossa sociedade, nunca foi estática, e a velocidade de suas mudanças tem aumentado.



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18 - Governança, mercado e capital humano: fazer diferença pode destruir valor?

Abril de 2009


As pessoas estão no epicentro da busca de sustentabilidade e de fortalecimento das empresas, dos mercados e das demais estruturas de governança da economia.


Consideremos o exemplo dos Estados Unidos, que se desenvolveram, em boa medida, em função do seu mercado de ações (constituído por pessoas), o qual captou as poupanças de milhares de cidadãos norte-americanos, direcionando-as para o crescimento de empresas (operadas por pessoas). O desenvolvimento mencionado teve pelo menos um contraponto: o capital de várias grandes empresas tornou-se diluído. Nesse contexto, parte dos administradores empresariais (pessoas) cometeu sérios abusos administrativos amplamente criticados pela sociedade (pessoas) e tais abusos foram o mote da emergência de um movimento pela governança corporativa capitaneado por investidores institucionais – líderes de grandes fundos de pensão e de investimentos (pessoas) - e encorpado pelo ativismo de um líder em especial, Robert A. Monks (pessoa). O movimento em questão difundiu-se dos EUA para o resto do mundo, incluindo o Brasil.


Monks é um personagem especial bem conhecido pelo mercado de capitais e pelas companhias abertas norte-americanas. Nascido na elite dos EUA, ele tem sido um dos grandes defensores dos acionistas não controladores ou minoritários naquele País, um dos seus maiores símbolos ou ícones. Tornou-se combatente duro da chamada ditadura dos administradores, em um ambiente de maior distribuição do controle acionário das companhias com ações listadas em Bolsa de Valores. Pouco organizados e instrumentados para enfrentar a ditadura dos administradores, os pequenos acionistas norte-americanos encontraram em Monks um defensor muito relevante de seus direitos e de sua voz e ele é alguém que fez grande diferença.


As pessoas que fazem diferença, no melhor sentido da expressão, existem e exercem benéfica influência sobre as demais; se assim não fosse, a quantidade de organizações eliminadas do ambiente econômico seria exponencialmente mais elevada, assim como exponencialmente mais elevada seria a fragilidade dos mercados, incluindo os mercados financeiros e de capitais. Entretanto, é mister reconhecer que esse ambiente também é habitado por pessoas que fazem diferença de maneira questionável, ou seja, criando potencial para destruir valor em uma perspectiva de prazo mais longo e para prejudicar investidores. Como assim?


Poderíamos pensar em muitos exemplos para ilustrar o ponto acima citado. Poderíamos mencionar, por exemplo, a crise financeira global iniciada nos EUA e tecer longas considerações sobre decisões equivocadas e francamente questionáveis, sob o prisma ético, tomadas em várias esferas do sistema capitalista, as quais ceifaram a oportunidade e a renda de muitas famílias. Consideremos aqui, entretanto, um exemplo mais singelo: o filme O diabo veste Prada, estrelado por Meryl Streep, o qual acreditamos que permitirá ilustrar o nosso pensamento.


A comédia (assim nos parece) em tela refere-se às dificuldades da jovem assistente da intratável editora-chefe de uma importante revista de moda em New York; tem Meryl Streep no papel da poderosa, invejada e temida editora-chefe Miranda Priestly (Merryl Streep) e, naturalmente, belos figurinos. Ao mesmo tempo, o filme inspira reflexões pertinentes sobre questões modernas que permeiam o governo e a administração mais ampla das pessoas nas empresas e demais instâncias da economia.


Um tema que salta sobre quem assiste o filme é assédio moral, em grandes linhas, um conjunto de pequenas condutas de desqualificação de um profissional pelo seu superior hierárquico. Miranda Priestly pode ser percebida como exemplo vívido desse tipo de patologia organizacional, em vários comportamentos: críticas ácidas, ainda que aparentemente polidas, sobre contribuições ao trabalho ou sobre o modo de vestir de subordinados; estabelecimento de tarefas difíceis, a realizar em prazos inexeqüíveis; desqualificação profissional das pessoas ao redor (todos são incompetentes), bem como exigências freqüentes e descabidas de extrapolação de funções e do horário de trabalho.


A editora-chefe, percebida como imprescindível ao negócio pelos dirigentes de sua empresa, em função de suas qualificações técnicas, conexões sociais e bons resultados econômicos, é democrática em relação aos subordinados: todos estão sujeitos às suas idiossincrasias ferinas, o que, de certa forma, se contrapõe à conduta de assediadores morais, que podem concentrar seu assédio sobre determinadas pessoas. Também é verdade que a editora se mostra humana em algumas passagens do filme, mas isso não altera seu modus operandi típico em relação às pessoas que coordena. A nosso ver, as Mirandas de distintos sexos que habitam o ambiente econômico em múltiplas instâncias podem ser altamente destrutivas para a economia e a sociedade e o seu exemplo está longe de seu exaustivo.


Motivação, desenvolvimento, assédio moral e muitos outros temas ligados à administração de pessoas podem ser enquadrados em uma visão mais abrangente de governança organizacional, que abarca a própria visão do ser humano pela organização. Qual é a ética em que a organização acredita? Quais são as grandes linhas da política de gestão de pessoas adotada? Em que medida a organização percebe o risco de perdas de valor econômico (ou, no mínimo, de não alcançar bons retornos) com a tolerância a comportamentos que podem inibir o talento e as contribuições individuais, notadamente em negócios em que a criatividade é crucial? Em O Diabo veste Prada, a aterrorizante Miranda Priestly parece um grande problema, mas os dirigentes de sua organização que não a percebem como problema podem constituir um problema ainda maior.


Neste artigo, que navega brevemente das realizações de Robert A. Monks às idiossincrasias da personagem de Meryl Streep no filme aqui comentado, explicitamos um ponto de vista singelo: fazer diferença pode destruir valor e prejudicar quem investe, se isso for feito sem respeito e cuidado com as pessoas. Óbvio, mas frequentemente, nada fácil de perceber, especialmente à luz dos resultados econômicos de curto prazo.


Parece razoável supor que o uso de sistemas de governança bem estruturados resultem na maior sustentabilidade dos negócios e das estruturas de governança do capitalismo em geral. Entretanto, se esses sistemas não contemplarem políticas de administração de pessoas razoáveis na teoria e na prática, assim como a presença de pessoas competentes, razoáveis e efetivamente preocupadas em respeitar as outras pessoas, a nós parece que o potencial de perda de valor econômico em algum ponto do futuro é considerável.



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17 - Quais são as armadilhas presentes nas decisões dos governantens corporativos?

Março de 2009

Tomar decisões é uma das funções mais relevantes da administração, exigindo que os dirigentes organizacionais façam escolhas sobre o futuro com base em informações imperfeitas ou incompletas. Douglass North, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1993 pelos seus estudos e pesquisas sobre institucionalismo econômico, afirma que os modelos decisórios das pessoas são muito específicos, mudando de indivíduo para indivíduo, sendo afetados não apenas pelas limitações cognitivas, mas também pelas suas motivações. Nesse sentido, a teoria das expectativas racionais, ainda que interessante no estudo da Economia, não corresponderia, exatamente, à realidade prática das decisões.

Estudiosos têm analisado as formas como a mente funciona na tomada de decisões, em estudos de laboratório e de campo, os quais revelam a existência de rotinas inconscientes para lidar com a complexidade inerente à maioria das decisões. John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard Raiffa, no artigo The hidden traps in decision making (Harvard Business Review, 1998), argumentam que tomar decisões é o mais importante trabalho de um executivo, sendo, também, o mais difícil e arriscado. Os autores examinaram um conjunto de armadilhas psicológicas particularmente relevantes na tomada de decisões; neste breve artigo, comentaremos cinco, lembrando que elas não esgotam o trabalho dos três pesquisadores mencionados.

A primeira, a armadilha da ancoragem (the anchoring trap), corresponde à tendência da mente humana de prestar maior atenção às primeiras informações recebidas sobre uma determinada questão, as quais funcionam como âncoras ao raciocínio posterior, ainda que sejam infundadas. Tais âncoras podem ser desde comentários feitos por profissionais envolvidos nas discussões até estatísticas apresentadas em jornais e outros meios, estabelecendo os termos em função dos quais as decisões são tomadas. Todos os decisores de uma organização estão sujeitos à armadilha da ancoragem, mas acreditamos que os conselheiros de administração estejam entre os mais propensos a serem capturados, uma vez que o seu trabalho é feito, frequentemente, com base nos conteúdos encaminhados pelas diretorias executivas - relatórios, apresentações e outros itens – os quais podem se tornar âncoras para o raciocínio, restringindo ou no mínimo delimitando o livre pensar. As diretorias executivas, por sua vez, também podem sucumbir às âncoras que emergirem das áreas a elas subordinadas e o processo pode se desdobrar ao longo da cadeia hierárquica organizacional.

A segunda armadilha identificada pelos autores em questão, a armadilha do status quo (the status quo trap), emerge do desejo humano de proteger o ego. Experimentos demonstram que as pessoas preferem evitar mudanças, quando instadas a escolher entre a manutenção de uma situação vigente e a mudança. Mudar, na perspectiva dos autores, exige ação e responsabilidade pela ação, expondo o decisor a críticas. Quem está mais propenso, no ambiente de governança corporativa, a ser colhido pela armadilha do status quo? Acreditamos que todas as pessoas envolvidas nas grandes decisões empresariais, típicas desse ambiente de cúpula organizacional. Ao mesmo tempo, por ser o conselho de administração uma instância colegiada, as decisões ali tomadas se tornam diluídas entre os conselheiros, os quais compartilham responsabilidades decisórias. Já no caso das instâncias abaixo do conselho, as responsabilidades podem crescer em personalização. Não se pode afirmar que o compartilhamento das decisões por conselheiros implica, necessariamente, tendência a decisões menos arrojadas, mas os conselhos necessitam estar atentos quanto à natureza colegiada do seu trabalho e à necessidade de exigir mudanças imperativas.

A terceira armadilha identificada por Hammond, Keeney e Raiffa é a armadilha do custo afundado (the sunk-cost trap), que consiste em tomar decisões que justifiquem ou ratifiquem decisões passadas, mesmo quando elas não parecem mais válidas. A maioria das pessoas têm caído nessa armadilha, recusando-se a fazer necessárias mudanças, porque isso seria admitir um erro. No ambiente de negócios, más decisões tornam-se conhecidas pelas demais pessoas, razão pelas qual prefere-se não reconhecê-las. Em nossa opinião, a armadilha do custo afundado dificilmente será percebida, se a empresa não tiver processos explicitamente orientados para o acompanhamento e a crítica genuína, ainda que respeitosa, do status das decisões. Quantas decisões do conselho de administração ou da diretoria executiva são, de fato, acompanhadas em seus resultados? Vale lembrar que podem existir conselhos fracos, dominados por diretorias e meros validadores de decisões tomadas em níveis hierárquicos inferiores.

A quarta armadilha citada pelos três estudiosos é a armadilha da confirmação das evidências (the confirming evidence trap), a qual consiste na busca de informações que confirmem um instinto ou ponto de vista interno, evitando-se a busca das informações conflitantes com aquilo que já se tem em mente. Tal armadilha, segundo os autores, afeta não apenas onde se buscam as informações, mas também a forma como as mesmas são interpretadas para favorecer o ponto de vista de determinado decisor. Chamamos aqui a atenção sobre a sugestão de Hammond, Keeney e Raiffa de designar alguém para questionar idéias apresentadas nas fragilidades (exercendo o papel de advogado do diabo), o que nos parece muito interessante para reuniões de conselhos de administração. Quem poderia representar essse papel? Em nosso entendimento, um ou dois conselheiros poderiam ser designados exclusivamente para o propósito de buscar exaustivamente defeitos nas alternativas avaliadas e o papel poderia ser desempenhado por diferentes conselheiros, conforme a natureza do assunto e das condições específicas da decisão que se considera.

A quinta e última armadilha citada neste artigo é a armadilha da formulação ou formatação (the framing trap), que consiste na influência da forma como uma questão é apresentada sobre as decisões das pessoas. A formatação de uma questão é uma das etapas mais perigosas da tomada de decisões. A armadilha da formulação está relacionada com as outras armadilhas anteriormente descritas: a forma de apresentação de uma questão pode introduzir âncoras, valorizar custos afundados (sunk costs) ou informações que confirmem um ponto de vista que alguém pretende impor. Provavelmente, a armadilha da formatação é uma das mais frequentes na apresentação de informações aos conselhos de administração e às diretorias, especialmente quando alguém está interessado em vender uma idéia ou projeto. Não nos parece absurdo imaginar que a maioria dos projetos encaminhados para apreciação às intâncias superiores das organizações seja apresentada buscando os ângulos mais favoráveis e sem explorar adequadamente possíveis falhas construtivas.

Finalizando, como lidar com essas e outras armadilhas presentes nas decisões? A pergunta merece um artigo específico visando explorar as opções oferecidas pelos três autores que aqui mencionamos; para o momento, vale o alerta de que existem armadilhas nas decisões humanas e de que é preciso saber como lidar com elas nas empresas e de forma mais ampla, mitigando os riscos que podem impactar desfavoravelmente os negócios, as carreiras e as trajetórias individuais das pessoas.


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16 - Por que a boa contabilidade é fundamental?

Fevereiro de 2009


A primeira resposta à pergunta “por que a boa contabilidade é fundamental ao governo das empresas” poderia ser: porque ela é uma espécie de linguagem universal do mundo das finanças, sem a qual não é possível administrar uma empresa de maneira técnica, profissional e responsável. Está correto? Sim, acreditamos que sem conhecimentos contábeis básicos, administradores de organizações de todos os tamanhos terão grandes dificuldades em desenvolver seu trabalho de forma consistente; entretanto, a resposta à pergunta em questão é mais ampla.


No caso das sociedades cujas ações estão listadas em bolsas de valores, a importância da contabilidade é ainda maior, pois ela detém a linguagem financeira que permite aos agentes entenderem os fundamentos econômico-financeiros dessas empresas, assim como conhecerem e interpretarem seus resultados. Não é por acaso que se busca a padronização e a internacionalização da linguagem contábil: isso é altamente favorável como estímulo ao financiamento de empresas, ao fortalecimento dos mercados financeiros e de capitais e ao desenvolvimento econômico dos países.


Ao mesmo tempo, a contabilidade é, simplesmente, fundamental no apoio a decisões e essa é a razão pela qual entendemos que a resposta à pergunta inicial deste artigo é mais ampla. Referimo-nos aqui tanto à chamada contabilidade financeira, mais associada aos reportes requeridos pela legislação e regulamentação, quanto à contabilidadede custos, orientada para os públicos empresariais internos e focada em atividades e processos.


O que é uma decisão? Essencialmente, decisão é a escolha entre uma ou mais alternativas, visando atingir um ou mais objetivos. Administradores, ao tomarem decisões sob sua responsabilidade, devem buscar a melhor visibilidade possível do futuro. Um dos caminhos mais relevantes para isso é armazenar a experiência passada e estudá-la, buscando entender o que deu certo e o que não funcionou. Em segundo lugar, decisões devem ser monitoradas quanto aos resultados. Adicionalmente, cumpre reportar os resultados finais das decisões tomadas aos públicos relevantes. Planejar, realizar, controlar e corrigir são os quatro procedimentos fundamentais de um ciclo administrativo que se repete ad infinitum e a contabilidade é fundamental para que tal ciclo se desenvolva com fundamento e substância.


À luz do exposto, nunca é demais reforçar que a contabilidade de uma empresa não existe e não pode existir apenas para ser uma ponte entre as pessoas e o mundo financeiro, registrando o passado, oferecendo relatórios sobre a movimentação financeira e a posição dos ativos e passivos empresariais para atender às exigências da legislação e da regulamentação dos diversos mercados e reportando os custos por atividade ou processo de uma empresa. Tudo isso tem enorme, crucial importância, mas o papel dos profissionais de contabilidade é ainda maior.


A contabilidade deve gerar informações que possam embasar decisões futuras e identificar oportunidades de agregação de valor aos negócios; seus profissionais dispõem de ferramentas metodológicas, métricas e informações que permitem contribuir de maneira ativa à criação de valor econômico. Acreditamos que mesmo nas organizações de menor porte, é possível (se houver esclarecimento e vontade política para isso) criar sistemas contábeis de informações caracterizados pela simplicidade e robustez, os quais abastecerão os gestores com informações fundamentais para tomadas de decisão e correções de rumo.



É por meio dos relatórios emitidos pela contabilidade que os administradores conhecerão o desempenho do seu trabalho e das atividades empresariais, já dissemos. Adicionalmente, para os grupos empresariais de grande porte, um bom trabalho dos profissionais de contabilidade agrega transparência interna das operações de empresas controladas e coligadas; não é só fora das empresas que existe assimetria informacional. Com o apoio da contabilidade, torna-se factível acompanhar o desempenho de diferentes unidades de negócios e de distintos negócios como um todo e embasar decisões de melhorias e investimentos; a contribuição da contabilidade à análise do portfólio de empresas e negócios de um grupo empresarial pode ser considerável.


A contabilidade oferece, ainda, a base informacional que permite tomar decisões relativas à remuneração de proprietários ou acionistas (via dividendos, juros sobre o capital próprio e reduções de capital onde factível, visando retirar fundos disponíveis no caixa das empresas), bem como de administradores e demais empregados (bônus, remuneração variável e outras modalidades).


A preocupação com a contabilidade das sociedades por ações é o pano de fundo de diversas iniciativas de entidades do mercado de capitais nacional. No dia 16 de agosto 2006, foi lançado, na então Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), atual BM&FBovespa, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Criado pela Resolução n. 1.055, de 7 de outubro de 2005, do Conselho Federal de Contabilidade, o objetivo de médio prazo do Comitê no momento de seu lançamento era a obtenção de um conjunto uniforme de normas brasileiras adequadas aos padrões internacionais.



Desde sua criação, o CPC tem emitido pareceres técnicos sobre questões contábeis de relevo, com foco na padronização e internacionalização de padrões. Reunindo entidades como a BM&FBovespa, a Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA), a Associação de Analistas e Profissionais de Mercado de Capitais - APIMEC, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON) e Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI), o CPC é apoiado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central do Brasil (BACEN), interagindo como o International Accounting Standards Board (IASB).


Finalizamos estas breves reflexões dizendo que a contabilidade se torna, cada vez mais, instrumento efetivo de governo das empresas e há quem defenda que as controladorias estejam diretamente subordinadas aos conselhos de administração, ao invés de estarem subordinadas às diretorias executivas. Esta não é uma tese interessante para desenvolvimento e discussões? De qualquer forma, o papel dos profissionais de contabilidade se torna cada vez mais valorizado nos mercados financeiros e de capitais e acreditamos que não pode ser de outra forma.



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15 - Por que as políticas são fundamentais ao governo das empresas?

Janeiro de 2009


Por que as empresas necessitam de políticas de governança?


Desenvolveremos neste artigo alguns raciocínios que conduzem a três respostas para essa pergunta, todas de igual importância:


1.administrar visando equilíbrio de interesses entre os vários públicos que orbitam ao redor da empresa;


2.definir o nível de atendimento a esses públicos, que pode estar dentro ou acima de limites mínimos legais, regulatórios e de mercado;


3.reduzir o custo de capital e viabilizar planos de expansão empresarial e de melhoria de sua eficácia operacional.


Iniciemos pelo equilíbrio de interesses entre públicos estratégicos empresariais. Grande parte daqueles que investem recursos e expectativas em uma empresa está do lado de fora da organização, especialmente nas sociedades por ações. É possível que as principais exceções sejam os acionistas mais próximos da administração dos negócios organizacionais (como os acionistas controladores ou majoritários), os empregados (com as esperadas assimetrias de conhecimento acerca do que se passa na empresa, especialmente no caso de um grande grupo empresarial, com vários negócios), os clientes e os fornecedores específicos (cujos processos estejam mais integrados aos processos empresariais). Além desses públicos, pequenos acionistas, governo, entidades de regulamentação, a mídia, a comunidade e a sociedade de maneira mais ampla também desenvolvem expectativas em relação à empresa e o nível de exposição é consideravelmente maior quando a companhia têm suas ações listadas em bolsa de valores.


Os interesses podem ser conflitantes: ampliar o retorno de uma contraparte pode reduzir o retorno de outra; nem sempre isso precisa acontecer, mas a verdade é que pode acontecer com freqüência, em jogo de soma zero. O conflito de interesses e a busca de equilíbrio estão no cerne das discussões sobre governança corporativa. A empresa existe para servir precipuamente aos seus acionistas, que arcarão com as perdas residuais em caso de liquidação da empresa, ou a um conjunto de públicos estratégicos ou stakeholders, incluindo os próprios acionistas, tais como empregados, clientes, fornecedores e as comunidades? A polêmica é clássica nos estudos acadêmicos sobre governança.



No caso específico dos pequenos acionistas dispersos pelo mercado acionário, reconheçamos: em boa medida, eles estão distantes da administração da empresa, mesmo quando estão representados por um dos membros do conselho de administração, conforme permite a Lei das Sociedades Anônimas (n. 6.404, 15/12/76). Afinal, o conselho, entre outros públicos privilegiados (insiders), deve guardar reserva sobre assuntos cuja divulgação prejudicaria os acionistas, segundo a Lei. Essa é a primeira razão pela qual é muito importante que as empresas adotem, além de princípios éticos, políticas de governança. Não se trata de criar esses instrumentos para exibi-los ao mundo exterior, mas de criar regras de governança consideravelmente úteis à condução dos negócios, visando equilíbrio de interesses e maior facilidade de trabalho dos dirigentes.


A segunda razão pela qual é importante desenvolver (no sentido de explicitar, escrever) políticas de governança é o nível de atendimento aos requisitos do ambiente externo que se pretende adotar. A empresa deve atender a legislação ou ir além de seus limites? Deve respeitar apenas os ditames da regulamentação vigente, no caso de setores e atividades regulados, ou ir além? Os mercados de produtos e serviços, incluindo os mercados financeiros e de capitais, podem criar sua auto-regulação, com distintos níveis de regras; como a empresa se posicionará em relação a cada regulação vigente? Uma vez mais, observamos que não se trata de se preocupar em exibir boas políticas ao mundo exterior, mas de fazer escolhas que façam sentido no contexto empresarial, vis-à-vis da estratégia.


Os exemplos que ilustram as escolhas a serem feitas pelos dirigentes empresariais são vários. Empresas listadas nos Níveis Diferenciados de Governança Corporativa, o Novo Mercado e os Níveis 1 e 2 da BMF&Bovespa, por exemplo, comprometem-se com mais informações e direitos aos pequenos acionistas do que exige a Lei das Sociedades Anônimas (n. 6.404, 15/12/76). Empresas de infra-estrutura (água, energia elétrica, telecomunicações e outras) podem oferecer níveis de qualidade de fornecimento dentro dos limites fixados pelas agências reguladoras respectivas ou ir além. A legislação trabalhista estabelece requisitos para a contratação de empregados e o mercado de trabalho determina faixas salariais e outros benefícios; a empresa pode apenas atender à legislação trabalhista, situando-se abaixo, na média ou acima do mercado de trabalho. Cada escolha implica benefícios e custos; quais maximizam a relação benefício-custo em cada caso?


A terceira razão pela qual é importante ter políticas de governança é o custo de capital, ou seja, o custo do dinheiro que permitirá à empresa expandir negócios e crescer agregando valor econômico. Tal custo pode ser decomposto em dois componentes; o primeiro é o capital próprio, aportado pelos próprios acionistas no início ou ao longo de um negócio, via aportes específicos de capital ou recursos carreados de bons resultados de projetos bem sucedidos para novos projetos que se mostrarem interessantes. A segunda componente é o capital de terceiros, captado nos mercados de crédito, via empréstimos e, de forma muito interessante, nos mercados de capitais, via emissão de títulos de dívida (debêntures, notas comerciais e outros). Boas políticas e diretrizes de governança podem contribuir para a redução do custo de capital e isso se torna especialmente mais visível no caso do capital de terceiros, visto que instituições financeiras e investidores dos mercados de capitais se interessam e cobram, de maneira cada vez mais intensiva, boa governança corporativa.


Dadas essas considerações, perguntamos: quais são as políticas de governança mais interessantes para uma sociedade por ações listada ou não em bolsa de valores? Esta é uma resposta que demanda, per se, novo artigo, mas temas como direitos de públicos stakeholders, relacionamento com os diversos setores da sociedade, planejamento e gestão da estratégia, administração com pessoas (e, não, administração de pessoas), administração de investimentos, comunicação, fiscalização, prestação de contas, riscos empresariais e meio ambiente entre outros merecem grande atenção dos governantes corporativos. Preferencialmente, sustentados por um posicionamento verdadeiro e, não meramente pro-forma, sobre respeito ao ser humano e ética.



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14 - Crise, governança e sustentabilidade: a ética pode ajudar?

Dezembro de 2008

A ética pode ser definida como sendo um conjunto de preceitos sobre o que é moralmente certo e errado, mas isso não é tudo: ética é a reflexão sobre a validade de uma linha de conduta, implicando regras - ou regras do jogo - que não se impõem de fora para dentro, mas que emergem do indivíduo ou do grupo de indivíduos que com elas se identificam. Seres humanos, ao contrário de outros integrantes do reino animal, têm a possibilidade, ainda que muitas vezes limitada por fatores sobre os quais não existe poder de mudança, de fazer escolhas, ora individuais, ora coletivas. Escolhas éticas podem ser afetadas pela cultura, por regras que vêm de fora do indivíduo, mas permanecem sendo escolhas. Qual é o objetivo da ética? A felicidade, a qual pode ser definida, por sua vez, como um estado de bem estar ou mesmo de plenitude no qual o ser humano se sente íntegro e em harmonia com os seus valores e ações. Assim, o indivíduo busca ser ético por que quer ser feliz; adicionalmente, ser ético implica atenção, cuidado com o semelhante, até por que isso significa ter cuidado consigo. Aos interessados em aprofundar as considerações anteriores, recomendamos o livro Ética, verdade e felicidade, de autoria do professor Roberto Patrus.Mundim (1999), estudioso e pesquisador de um tema que se torna, cada vez mais importante na realidade prática da vida humana, a ética.


As motivações dos indivíduos podem ser inúmeras e infelizmente, algumas pessoas optam, usando seu livre arbítrio, por condutas que podem até emergir de sua reflexão e conclusões quanto à validade no mundo real; porém, ignorando o direito de outras pessoas serem respeitadas e felizes. Mesmo assim, acreditamos que parte das pessoas é motivada pela busca da felicidade nos moldes acima comentados, condizentes com a premissa da paz interna. Ao mesmo tempo – e aqui a filosofia se encontra com a economia -, as pessoas trafegam entre várias estruturas de coordenação de atividades econômicas: o Estado, as empresas (ou firmas, como costumam preferir muitos economistas), os mercados, as associações, as redes e as comunidades entre outras. Essas estruturas ou mecanismos de governança têm papéis a desempenhar no contexto capitalista, visando diminuir custos de transação e tornar a economia mais eficiente. Ponto de atenção: as estruturas citadas podem ser muito interessantes e relevantes para a satisfação de necessidades humanas, especialmente no plano material, mas elas não estão focadas na felicidade; sua arquitetura não foi concebida para esse fim.


Consideramos, por exemplo, o Estado, que cria regras do jogo e que, teoricamente, assegura seu cumprimento (enforcement); ele também oferece alguns serviços à sociedade, de forma seletiva; entretanto, as organizações do Estado são imperfeitas, podendo favorecer interesses específicos, em detrimento da coletividade, além de operar de forma ineficaz. Já as empresas produzem bens e serviços (seu business) e buscam retorno econômico; ocorre que as empresas podem abrigar condutas autoritárias e oportunistas, além de ser injustas com clientes, empregados e outros stakeholders. Consideremos, ainda, os mercados, ambientes de encontro entre pessoas que compram e vendem produtos e serviços: eles propiciam oportunidades de intercâmbio e de satisfação de necessidades. Ao mesmo tempo, os mercados necessitam de regras de operação e conduta, formais ou informais - aquelas que melhor funcionarem; desregulamentação pode provocar sérios problemas, conforme o mercado que se considera. Muito mais poderíamos dizer sobre essas e outras estruturas de governança da economia, como as associações, criadas para defender interesses classistas, as redes entre organizações e pessoas, estabelecidas para fins econômicos específicos, e as comunidades, conjuntos de pessoas conectadas por interesses comuns, eventualmente virtuais.


Entretanto, retornemos às pessoas, com suas necessidades e motivações – como a busca da felicidade - e às estruturas de governança por ela criadas, de forma genérica. Durante muitos anos, especialmente a partir da chamada Revolução Industrial, pessoas e estruturas vêm operando com eficiência na dilapidação do meio ambiente, considerando os recursos naturais como sendo de reposição infinita. O desenvolvimento econômico e a expansão da capacidade produtiva têm conduzido o Planeta Terra, ao longo do tempo, a uma degradação ambiental sem precedentes, com forte impacto na saúde e na qualidade de vida. Há pelo menos 21 anos, desde a publicação do Relatório Brundland (Our common future), em 1987, foi feito um alerta aos países, via Organização das Nações Unidas (ONU): urge repensar um modelo de desenvolvimento baseado apenas na busca de crescimento e de retornos financeiros, segundo uma lógica exclusivamente econômica. Um novo modelo, baseado no conceito de desenvolvimento sustentável, se torna imperioso, e a sustentabilidade nas vertentes econômica, social e ambiental se torna uma questão séria para os seres humanos, visto que as gerações presentes e futuras estão sob risco de infortúnios ambientais de grande amplitude.


Feitos esses breves comentários, consideremos agora a crise financeira global, que pode ser analisada sob múltiplos ângulos, e sobre a qual também podemos fazer uma avaliação, ainda que muito superficial, sob o prisma das estruturas de governança citadas, as quais falharam, de diversas maneiras. Governos acreditaram na capacidade de os mercados terem, per se, a capacidade de prevenir ou resolver os problemas advindos de condutas inadequadas. Instituições financeiras administraram de forma equivocada seus riscos de crédito, permitindo e mesmo estimulando muitas pessoas à contratação de empréstimos incompatíveis com sua capacidade de pagamento (e alguns dirigentes, mesmo tendo conduzido operações deficitárias, receberam por isso gratificações de grande monta). Empresas produtoras de bens e serviços administraram de forma equivocada seus riscos, contratando produtos derivativos com base em previsões imprudentes de preços de ativos. Agências de rating aparentemente não apontaram problemas. Nesse contexto, os governos se vêem diante da opção de intervir fortemente no jogo capitalista, visando evitar recessão e sob risco de criar estagflação. John Maynard Keynes desponta reluzente na agenda capitalista, para desespero dos defensores de uma ideologia liberal, atingida em alguns de seus pressupostos, já que as estruturas de governança e os mercados, operados por seres humanos, simplesmente falham, conforme demonstra a realidade.


A crise financeira global poderia ter sido evitada? Talvez, se os seus sinais tivessem tido uma leitura ideologicamente isenta, e se as regras do jogo tivessem sido mudadas a tempo. Uma eventual crise global no meio ambiente, de grandes proporções, poderia ser evitada? Sob o prisma técnico, não temos qualificação para dizer se ela virá e, caso positivo, se será possível preveni-la. Mesmo assim, acreditamos que a ética focada no cuidado com o ser humano pode contribuir para alterar o jogo capitalista e reduzir seus riscos. Se por um lado, as estruturas de governança, mesmo contribuindo para satisfazer necessidades humanas, não são focadas na felicidade, por outro lado, o aprimoramento dessas estruturas, no sentido de sua responsabilidade (e essa será grande avanço!), está nas mãos das pessoas, visto que não existe ninguém mais dentro dessas estruturas, além das pessoas, com capacidade para fazer acontecer. O grande desafio individual e coletivo é, mais do que adotar, praticar concretamente, no dia-a-dia, uma ética que possa mitigar grandes crises, econômicas, ambientais ou de outra natureza; lembrando que a vida não é fácil, não existindo soluções fáceis.




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13 - Qual é a sustentabilidade que o investidor pode esperar?

Novembro de 2008


O conceito de sustentabilidade emerge do famoso relatório denominado Our common future (Nosso futuro comum), publicado em 1987 e também conhecido como Relatório Brundtland. O documento em questão é uma das referências mais importantes da humanidade sobre o tema desenvolvimento sustentável, tendo resultado das preocupações da Organização das Nações Unidas – ONU – sobre meio ambiente e desenvolvimento. Brundtland é o sobrenome da então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, presidente da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - CMMAD -, criada pela ONU com o propósito de discutir as relações entre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, bem como de propor alternativas para que isso se viabilize.


O documento em questão pode não ter sido o primeiro texto que tratou da sustentabilidade, mas, certamente, foi o primeiro sobre o tema disseminado em bases planetárias. A expressão desenvolvimento sustentável emerge do Relatório Brundtland e significa o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade de as gerações futuras suprirem suas próprias necessidades. Essa definição explicita uma visão desenvolvimentista que reconhece que existe limite para o uso de recursos naturais. Em 2009, o Relatório completa 22 anos de publicação; mesmo com as críticas sofridas ao longo do tempo - lembrando que suas projeções consideram as melhores informações disponíveis no momento de sua elaboração -, ele tem gerado múltiplos desdobramentos práticos, como o Tratado de Kyoto entre outros; essencialmente, suas premissas básicas permanecem atuais.


O Relatório Brundtland apresenta um conjunto de recomendações focadas em cooperar com a solução de problemas supranacionais, tais como o uso do conceito de desenvolvimento sustentável por entidades de financiamento, a proteção de eco sistemas como Antártica, oceanos e outros, a eliminação de guerras e a implementação de um programa de desenvolvimento sustentável pela ONU. No que se refere aos países, o Relatório apresenta recomendações como limitar o crescimento da população, garantir recursos básicos como água, energia e outros a longo prazo, preservar a biodiversidade e os ecosistemas, diminuir o consumo de energia e desenvolver tecnologias energéticas renováveis, aumentar a produção industrial de países não industrializados via tecnologias limpas, controlar a urbanização desordenada e atender a necessidades básicas de saúde, educação e habitação.



O trabalho da Comissão Brundtland foi um passo importante; mesmo assim, 22 anos após, a ficha aparentemente ainda não caiu para muitas pessoas e organizações, as quais ainda não perceberam que o ataque sistemático ao meio ambiente tem potencial para provocar grandes desastres ambientais, cujas conseqüências são, em grande medida, imprevisíveis. O modelo de desenvolvimento baseado no crescimento e nos retornos financeiros, consoante uma lógica exclusivamente econômica, necessita ceder lugar a outra rationale, favorável ao futuro da humanidade; não se trata de ecochatice, mas de constatação científica.


Dado esse pano de fundo mais amplo, perguntamos: sob o prisma empresarial, como considerá-la, especialmente no caso de companhias com ações listadas em bolsa de valores? Qual é a sustentabilidade que os investidores, especialmente aqueles que baseiam suas decisões em modelos fundamentalistas, os quais investigam mais a fundo os fundamentos organizacionais, podem esperar ou demandar dessas empresas?


Em linha com o Relatório Brundtland, a expressão sustentabilidade empresarial pode ser considerada, de maneira abrangente, como sendo sinônima de desenvolvimento empresarial sustentável, o qual permita satisfazer necessidades presentes sem comprometer possibilidades de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades. De forma mais específica, a sustentabilidade empresarial também necessita encampar aspectos como busca de longevidade e sucesso de longo prazo; adicionalmente, a sustentabilidade necessita reconhecer e abranger variáveis econômicas, sociais e ambientais.


Ex expositis, entendemos que a sustentabilidade, no caso das empresas acima citadas implica, sem exaurir as possibilidades: 1. ter uma missão clara quanto ao papel da empresa em relação à sociedade que ela pretende servir; 2. ter uma visão desafiadora de longo prazo, que sirva como farol à estratégia, caminho de alcance dessa visão; 3. abraçar princípios éticos que tenham emergido de dentro para fora, via reflexão real dos dirigentes organizacionais; 4. adotar políticas e práticas de governança corporativa consistentes e coerentes entre si; 5. formular uma boa estratégia que leve em consideração as oportunidades de negócios, as variáveis econômicas, sociais e ambientais relevantes e as capacidades organizacionais; 6. administrar essa estratégia considerando objetivos, indicadores e metas, assegurando que o caminho traçado seja seguido; 7. cuidar do capital humano, atraindo e retendo talentos, desenvolvendo lideranças e sucessores, recompensando o bom desempenho e mantendo o clima de trabalho edificante e estimulante; 8. administrar os investimentos, em prol do bom uso de recursos financeiros; 9. administrar os riscos relevantes; 10. informar os públicos relevantes (stakeholders) e a sociedade. Acreditamos que os investidores fundamentalistas apreciarão bons resultados baseados em tais quesitos, pois, resultados econômicos per se não são indícios suficientes de boa sustentabilidade.


Os tópicos acima citados parecem interessantes e merecedores de aprofundamento; por ora, enfatizamos o ponto de vista de que não pode haver sustentabilidade se ela não estiver efetivamente refletida nas estratégias corporativa e por negócio. A nosso ver, clareza quanto ao posicionamento da empresa em relação ao meio ambiente, às comunidades e às questões sociais deve pautar as estratégias e sua implementação, já que as evidências indicam que as sociedades por ações e as demais organizações da economia serão, cada vez mais, instadas a trabalhar seriamente o conceito de sustentabilidade. Mudanças serão cada vez mais cobradas via regras do jogo formais mais rígidas ou maiores exigências de mercados clientes e fornecedores; a prática exigirá o trabalho duro inerente à administração da estratégia e das operações no dia-a-dia, não existindo soluções pret à porter capazes de tornar as empresas estrategicamente sustentáveis ou tanto quanto possível.


Finalizamos expressando a idéia de que o conceito de sustentabilidade pode ser adotado independentemente do tamanho da organização, conforme observa Roberto Gonzalez no artigo As pequenas e médias empresas podem ser realmente sustentáveis? (www.apimecmg.com.br, 2006): todas as organizações ditas sérias são candidatas à incorporação da responsabilidade social como um princípio ético inerente ao seu trabalho. Ponto de atenção: muita energia executiva será necessária em prol de um mundo sustentável e melhor.



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