sábado, 20 de março de 2010

26 - Como fazer a estratégia acontecer e ser compreendida?

Dezembro de 2009

Elaborar o planejamento estratégico de uma empresa é importante e pode ser emocionante e enriquecedor para quem participa dessa atividade, mas o planejamento em questão é apenas parte de um processo muito mais abrangente de governança e gestão da estratégia, que compreende uma série de desafios, sobre os quais provavelmente muitas organizações não têm consciência.

Em primeiro lugar, é preciso que a estratégia faça parte, verdadeiramente, da agenda dos dirigentes da organização, e quando falamos em dirigentes, referimo-nos aos conselhos de administração e às diretorias executivas. Em que medida essas instâncias estão envolvidas, de verdade, com a estratégia, na realidade prática do seu trabalho, indo além do que está estabelecido na legislação e nos estatutos sociais? O conselho de administração participa ativamente das discussões estratégicas, contribuindo de fato para sua construção, ou meramente respalda diretrizes apresentadas como receitas prontas pela diretoria? Quanto à diretoria, em que medida ela se dedica à estratégia ou ser torna refém de questões da gestão no dia-a-dia?

Segundo, grupos empresariais e entidades governamentais e não governamentais que coordenam várias unidades administrativas podem deter razoável conhecimento sobre as estratégias de cada um dos seus negócios e unidades, mas podem não ter a necessária clareza sobre a estratégia corporativa, ou seja, sobre as diretrizes que farão com que múltiplas unidades administrativas abrigadas sob uma coordenação única operem juntas de forma superior, melhor do que se fossem independentes. Qual é mesmo a estratégia corporativa, ou seja, o elo que une todos os negócios de um grupo empresarial?

Em terceiro lugar, e supondo razoavelmente respondidas e resolvidas as duas questões anteriormente levantadas, o mais comum é existir descasamento entre planejar, fazer acontecer e controlar o que está sendo feito. A execução da estratégia aprovada pelos dirigentes abrange o envolvimento de diferentes equipes, eventualmente, com pouca ou nenhuma interação entre si. Como deve ser criado o devido alinhamento entre planejamento, ação e controle? Como os conselhos de administração acompanharão o desenvolvimento da estratégia, assegurando que as diretrizes que aprovaram estão sendo cumpridas?

Nossa quarta reflexão é que, freqüentemente, ações de longo prazo são prejudicadas em prol de necessidades de curto prazo. É o clássico dilema entre o urgente e o importante. Executivos de uma organização podem ter belos planos estratégicos em mãos, ter ciência de que devem buscar novos mercados, criar novos produtos/serviços e/ou reposicionar produtos/serviços existentes, mas as necessidades do momento podem monopolizar suas agendas, deixando pouco tempo dedicado a construir o futuro. É fácil enredar-se nas questões prementes de sobreviver no curto prazo, matando os leões que se deve mesmo matar no dia-a-dia.

Uma quinta consideração aqui apresentada diz respeito à comunicação da estratégia. Como as diretrizes estratégicas são comunicadas na organização? Elas são algo que fica restrito apenas a um pequeno e privilegiado grupo de pessoas ou são comunicadas, com clareza, para os empregados, de maneira que cada um saiba qual é a direção geral do navio e qual é o seu papel na jornada?

Pelo lado dos agentes dos mercados financeiros e de capitais, entender com clareza as grandes linhas da estratégia de um grupo empresarial, visto de fora, é, também, uma necessidade e um desafio. Em seu livro Paixão por Vencer, Jack Welch, ex-CEO da General Electric, ao mencionar seus encontros com analistas e profissionais de investimento dos EUA, deixa transparecer incômodo com certa postura de desinteresse desses agentes nas discussões sobre estratégia: os profissionais citados estariam mais interessados em alimentar suas planilhas financeiras (o fluxo de caixa descontado) com números do que em entender a estratégia da organização. Naturalmente, deve-se contextualizar essa percepção, visto que há alguns anos o executivo não mais integra o quadro da GE.

Nos EUA de hoje e no Brasil de hoje, a lógica seria a mesma? Acreditamos que não, ao menos no caso do Brasil. Há algum tempo, fizemos uma análise criteriosa, na Associação dos Analistas e Profisssionais de Investimento do Mercado de Capitais Minas Gerais (APIMEC-MG), sobre perguntas realizadas por esses profissionais e investidores em reuniões de empresas com o mercado mineiro, ao longo de um certo período de tempo, cerca de seis meses. Além de anotar todas as perguntas feitas por escrito, presencialmente, e reprisar gravações feitas (as reuniões são gravadas), buscamos entender o que estaria efetivamente sendo perguntado. Verificamos que as perguntas sobre estratégia ocupam boa parte das preocupações dos agentes que comparecem a essas reuniões.

As considerações anteriores nos conduzem à seguinte pergunta, abrangendo tanto as organizações com ações em bolsa de valores quanto os agentes que as acompanham: como fazer a estratégia acontecer e ser compreendida por stakeholders internos, como os empregados, e externos, como analistas, profissionais de investimento e investidores?

Focalizando os públicos internos, acreditamos que as empresas podem estabelecer um processo formal de governança e gestão da estratégia, criando estruturas internas (comitê de estratégia, ligado ao conselho, e assessoria de gestão da estratégia, ligada à diretoria) responsáveis por atividades como: (1) assessorar as diretorias e os conselhos por meio de agendas estratégicas com eventos e discussões bem definidas, as quais resultem em diretrizes estratégicas claras e bem redigidas; (2) ajudar a diagnosticar oportunidades e ameaças no ambiente externo, assim como forças e fraquezas da organização; (3) desenvolver indicadores estratégicos internos, capazes de medir se as diretrizes estão sendo executadas no que concerne à estratégia corporativa e por negócio; (4) acompanhar os indicadores e apontar problemas, tendências e alternativas; (5) envolver todas as áreas-chave à consecução da estratégia, por meio dos indicadores relacionados com as mesmas; (6) buscar uma lógica de comunicação da estratégia condizente com a adequada compreensão pelas diversas categorias de empregados; e, (7) assessorar toda a organização no entendimento de todos os conceitos abrangidos. Custa, mas pode criar valor econômico.

No que tange aos públicos externos, entendemos que analistas e profissionais de investimento, como profissionais que são, devem adotar e desenvolver metodologias capazes de identificar claramente a estratégia, em suas grandes linhas, com indicacores qualitativos e quantitativos, tanto quanto possível. Devem dispor de ferramentas ou radares capazes de descrever a estratégia corporativa e por negócio de um grupo, sem esquecer a importantíssima questão da sustentabilidade nas vertentes econômica, social e ambiental, bem como assessorar adequadamente os investidores sobre suas análises e conclusões. Frequentemente, o que parece simples de entender nem sempre é fácil de implementar, mas deve ser buscado.

MMB - Publicado na Revista RI

Nenhum comentário:

Postar um comentário